Já ouviu uma daquelas piadas contadas à exaustão, mas, que por alguma razão mágica (ou maluca), continua sempre engraçada? Algumas histórias são assim. Elas fascinam, encantam, divertem e inspiram sem precisar de muito espetáculo. A fácil identificação com qualquer ser humano tende a ser o fator principal nesse tipo de mensagem efetiva. Conectamos. Sentimos. Torcemos. Especialmente por imaginar que, se algo assim acontecer com a gente, queremos o mesmo final feliz da ficção ou algo que o valha. Assim se constroem histórias eternas e parte disso existe nos contos de fada nos quais se baseiam a sociedade ocidental e, inevitavelmente, as histórias em quadrinhos.
De forma bem simplificada, cheias de dualidades nos confrontos entre Bem e Mal, as HQs tomaram o lugar dos contos de fada para a molecada moderna e ainda o fazem com classe, entretanto, seus ícones são reflexos de um passado ancestral – e cafona – existente antes da elevação dessa arte a “cultura pop”, quando artistas precisavam desbravar um novo formato, alimentar incontáveis edições e sempre ter algo novo para contar. Entretanto a natureza rasa de alguns desses personagens os amaldiçoou (enviando a maioria deles ao limbo) e ainda os persegue. O Homem de Ferro é um dos sobreviventes. Ele é cool; faz muito sucesso; fez todo mundo adorar Robert Downey Jr (com razão!); e ele não tem mais gás.
Depois de assistir a “Homem de Ferro 3”, pergunto: será que, de fato, já teve?
Culpa do roteiro: uma amálgama de conceitos desorganizados, personagens pouco definidos e diálogos esquisitos
O primeiro filme é um marco por diversos fatores. Realizou o levante da Marvel, tirou os super-heróis (de vez) da esfera da cafonice, revitalizou a carreira de Robert Downey Jr e deu ao, agora popular, mundo nerd um novo ícone. Vários elementos dão força ao primeiro ato dirigido por Jon Favreau, foi a combinação certa e o timing perfeito. O entretenimento precisava daquilo e funcionou. Tony Stark fez a transição de playboy irresponsável e indiferente à vida alheia para bom-samaritano e herói, certo? Mas fez por razões primordialmente egoístas (ou fazia, ou morria) e precisou lutar contra outro milionário louco por poder (Iron Monger) por isso.
O espetáculo da construção da armadura e a definição de quem seria o Tony Stark do cinema (dane-se o que os leitores pensam, era um filme, logo a linguagem era outra todo mundo sabe que o pensamento foi esse), como ele pensaria, o que ele faria, etc. Da segunda vez, Tony Stark se torna o filantropo e segue os passos do pai. Então, precisa lutar contra um milionário com sede de poder e enfrenta um vilão obscuro, imbuído por vingança e disposto a matá-lo para fazer justiça (Whiplash). Mas nada disso importa, pois, na verdade, o maior inimigo são os exageros e as alusões ao vício. Ou seja, ele continua em foco. O que ele precisa. Ah, no final ele fica com a garota! As ameaças nunca foram para o mundo, sempre contra ele, interessante notar.
Aí vem o terceiro filme. Não dá para saber ao certo sobre o que ele trata. Faz menos de 30 min que saí da sessão e muita coisa já se foi. Culpa do roteiro, uma amálgama de conceitos desorganizados, personagens pouco definidos, diálogos esquisitos e, claro, o Homem de Ferro lutando contra um milionário disposto a tudo para controlar… o que mesmo? Ah, ele queria vender um produto… e ficar mais milionário, talvez? Enfim, esse não é o ponto.
Diretor Shane Black assumindo o comando da franquia
A Marvel vai ficar dependente da molecada que só liga para explosões e efeitos especiais
Desinteresse foi a palavra que veio a mente. Desinteresse por uma persona que se tornou um eco das duas anteriores, ou melhor, três, afinal de contas, Os Vingadores são referenciados à exaustão ao longo da exibição (talvez um lembrete de que o herói ainda pode ser legal?). Os dramas pessoais de Tony Stark são interessantes, mas só no papel. A primeira encarnação conquistou justamente por ser despirocada e, evidentemente, espontânea por conta do “controle” exercido por Downey Jr. sobre o personagem. Dessa vez foi impossível sentir qualquer coisa por ele. E justamente onde havia a maior de todas as motivações: salvar a mulher que ama.
A motivação estava lá, mas a história se esqueceu dela ao investir a maior parte do tempo num vilão previsível e infantil (lembrou muito daquele tempo no qual os quadrinhos eram tolos e qualquer argumento valeria). Nunca há ameaça. Nunca há dúvida. Nunca há nada com que se importar. E o próprio roteiro banaliza esse fato durante o “festival da amadura maluca”.
Gostava tanto do herói no cinema e fui vendo aquela empolgação inicial se esvair. Ela voltou em “Os Vingadores”, mas foi lá para o fundo do poço do Sarlacc depois de “Homem de Ferro 3”. O comando sempre questionável de Kevin Feige, da Marvel, começa a ceder na estratégia de longo-prazo para os personagens principais. Se o objetivo da companhia é criar espetáculo, é bom que tenha roteiros espetaculares ou a Marvel vai, rapidamente, ficar dependente da molecada que só liga para explosões e efeitos especiais.
Radicalismo? Não, realismo. O cinema de super-heróis vem crescendo há anos e o próprio Stan Lee disse que “vão parar de crescer quando a mensagem se perder”. Bem, começo a temer pela proximidade desse momento. A hora de Kevin Feige poderia estar se aproximando, mas os resultados dos últimos filmes (inclusive de “Homem de Ferro 3”) é bom demais para ameaçar a carreira de qualquer executivo de estúdio.
Filmes desse gênero exigem a desconexão com a realidade, mas, nesse caso, conseguiram me desconectar da história em si. Pouco antes de ir ao cinema, fiquei emocionado ao ver o terço final de “Campo do Sonhos”. Um filme que já revi inúmeras vezes. Posso recitar o último monólogo de James Earl Jones, mesmo sem não ter a mínima paixão pelo beisebol, mas sou incapaz de lembrar qualquer diálogo relevante nesse Homem de Ferro. O final do filme define tudo muito bem: é um show de fogos de artifício.
Podem explodir milhares deles e você sempre vai ter a impressão de que já viu aquilo antes e que, depois de certo ponto, todos são exatamente iguais. Quando o show acaba nada mudou.
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Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção científica “Filhos do Fim do Mundo”.
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Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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