Nossos corpos são surpreendentemente resilientes em muitas situações, mas aceleração rápida não é uma delas. O corpo humano aguenta qualquer velocidade constante —seja 20 quilômetros por hora ou 20 bilhões de quilômetros por hora— mas nós só conseguimos mudar a velocidade da trajetória de modo relativamente lento. Acelere ou freie muito rapidamente e pronto, acabou para você.
O A-B-G da aceleração
Esteja você pulando de um avião ou tropeçando num sofá, sua queda é governada pela força da gravidade da Terra. Esta força faz com que objetos em queda acelerem a 9,8 metros por segundo ao quadrado até alcançarem a velocidade terminal (em que a força de arrasto do objeto seja igual à gravidade e cancele a aceleração), ou até o objeto atingir outro que pare a queda.
A aceleração relativa à gravidade é quantificada em Gs, uma nomenclatura comumente usada na aviação, e que você já deve ter ouvido. 1 G equivale a pressão aplicada ao corpo humano pela constante gravitacional (9,80665 metros por segundo ao quadrado) no nível do mar. Isto é, o que está por aí normalmente. Forças G maiores que isso não podem ser produzidas pela gravidade sozinha; tem que haver o efeito de uma força mecânica também.
Quando você está se movendo, os Gs são classificados como positivos ou negativos. Os Gs positivos (+Gx) empurram você contra o banco ou fazem seu sangue ir para os pés, enquanto os Gs negativos (-Gx) empurram você contra o cinto de segurança ou fazem seu sangue ir para a cabeça (e o estômago para a garganta).
Com aviões, as coisas ficam ainda mais complicadas. Como eles voam em três dimensões (ao contrário de carros, que operam num plano de duas dimensões), os pilotos ficam sujeitos a três formas de força G, alinhadas aos eixos x, y e z. Forças Gx agem da frente para trás, pressionando as costas do piloto contra o assento durante a decolagem e o empurrando contra o cinto de segurança quando desacelerando; forças Gy agem quando girando em volta do eixo y do corpo, como em um barrel roll, por exemplo, mas isto geralmente não afeta a capacidade do piloto de controlar uma aeronave; e, por fim, forças Gz são aquelas que agem quando se muda rapidamente a direção vertical, como quando o avião sai de um mergulho acentuado. É esta última que faz seu estômago subir para a garganta no fim da primeira descida de uma montanha russa. É ela, também, o tipo de força G que faz você desmaiar.
Em condições normais, seu corpo deve manter 22 mmHg de pressão para levar sangue do seu coração até seu cérebro. Cada +Gz (sangue indo da cabeça para os pés) que uma pessoa sofre multiplica esta necessidade: o corpo deve conseguir dobrar a pressão em 2g, triplicar em 3g, e assim em diante, até chegar entre 4 e 5 G’s, no ponto em que a maioria das pessoas desmaia por falta de oxigênio, porque todo o sangue vai para os pés.
Esta condição é chamada de G-LOC (sigla em inglês para G-induced loss of consciousness; em tradução livre, G que leva à perda de consciência). Pilotos de caças, com ajuda de roupas de voo equipadas com balões de ar que expulsam o sangue das extremidades mais baixas, assim como respiração especializada e técnicas para suportar a tensão, podem ser treinados para suportar até 9 +Gz.
De acordo com a FAA (Administração Federal de Aviação norte-americana), os efeitos do +Gz incluem:
(1) Visão turva. A visão fica acinzentada por causa do fluxo reduzido de sangue para os olhos. Apesar de não ter nenhum impedimento físico associado, esta condição deve servir como alerta de um impedimento considerável no fluxo de sangue para a cabeça.
(2) Blecaute. A visão é completamente perdida. Esta condição é resultado de uma redução severa na no fornecimento de oxigênio para as células sensíveis à luz da retina. Ao contrário de outros usos comuns do termo, a consciência continua. No blecaute, alguma atividade mental e algum funcionamento muscular ainda são mantidos, mas ele é um alerta de que o fluxo sanguíneo para a cabeça está seriamente reduzido e de que há um alto risco de perda da consciência. Nota: em alguns estudos centrífugos, 50% dos pilotos tiveram blecautes e perdas de consciência simultâneos. Logo, um piloto não deve confiar no blecaute como precedente para a perda de consciência.
(3) Perda de consciência. Quando o fluxo sanguíneo para o cérebro é reduzido a um certo nível, o piloto perde a consciência. Ele ou ela pode ter movimentos convulsivos; estes foram vistos em muitos sujeitos de estudos centrífugos e em alguns pilotos durante voos reais. O piloto irá desmaiar no assento. Possivelmente, ele ou ela irá cair sobre os controles, levando a aeronave a entrar em configurações de voo das quais o piloto não conseguirá sair mesmo que recupere a consciência. Em estudos centrífugos, muitos pilotos perderam (e recuperaram) a consciência sem nem perceber o que aconteceu.
Forças Gz negativas, entretanto, são um assunto completamente diferente. Ninguém, literalmente nenhum humano —com roupa anti força G ou não— pode suportar mais de 2 ou 3 Gs negativos antes de perder a consciência devido a todo o sangue do corpo inundando a cabeça. A FAA continua:
Efeitos do Gz negativo. Força Gz negativa é encontrada quando aceleração é numa direção dos pés a cabeça, como a obtida durante o voo invertido, ou durante um loop para fora ou uma manobra pushover (veja a Figura 2). O sangue é empurrado para a cabeça, e a quantidade de sangue voltando da cabeça é reduzida, então ele tende a estagnar. Em condições leves de -Gz, o piloto irá sentir congestão, igual quando fica de cabeça para baixo. O inchaço dos vasos causa rubor ou vermelhidão na pele do rosto. Vasos sanguíneos dos olhos ficarão dilatados. Algumas pessoas podem sentir dor de cabeça. Um condição chamada “redout” pode ocorrer. Isto pode ser em parte devido à congestão, mas também pode acontecer quando a pálpebra inferior, reagindo a -Gz, sobe para cobrir a pupila, levando o piloto a ver a luz através daquela pálpebra.
As forças-G mais fortes já sentidas
Aviões, trens e automóveis não são os únicos lugares onde as pessoas sofrem a ação de tais forças. Astronautas são rotineiramente expostos a 3g durante lançamentos de ônibus espaciais, 8g num lançamento de foguete de propulsão Atlas da era Mercury, 7,25g a bordo um foguete Titan da era Gemini e cerca de 4g num Saturn 5s. Mesmo a reentrada expõe os astronautas a forças extremas: uma cápsula Mercury atinge 7,8g, enquanto uma da Apollo chega a 6g.
Entretanto, as forças G mais extremas que a humanidade já gerou foram, na verdade, produzidas aqui na Terra mesmo. Por exemplo, logo depois da Segunda Guerra Mundial, o físico John Stapp, da Aeronáutica americana, começou a pesquisar como melhorar os designs de cockpits para torná-los mais seguros e proteger melhor os pilotos contra não apenas as forças G durante uma queda (se pensava que esta era a maior causa de morte dos pilotos na Primeira Guerra Mundial) mas também o despedaçamento dos aviões, pois eles se desintegravam com o impacto (que era o que estava realmente matando os pilotos).
Para provar que este era o caso e que o corpo humano poderia suportar forças G muito maiores do que a sabedoria convencional dizia, Stapp desenvolveu o “Gee Whiz”, um trenó a propulsão montado sobre trilhos, para testar quantos Gs o corpo humano realmente conseguiria suportar.
Em 1948, Stapp parou de usar bonecos de teste no Gee Whiz e começou a entrar ele mesmo no trenó. Por meio destes experimentos –nos quais o trenó era violentamente acelerado e então parado de forma tão abrupta quanto— Stapp mostrou que o corpo humano poderia suportar até 35 Gs e sobreviver.
Em 1950, Stapp construiu e testou o sucessor do Gee Whiz, o Sonic Wind, que o acelerou a 1017 quilômetros por hora em menos de cinco segundos, e então parou em apenas um segundo. Este movimento gerou assombrosos 46,2 Gs (o que quer dizer que os 76,2kg que ele pesava quando parado agiram como quase 3.500 kg durante o teste) e expuseram Stapp a duas toneladas de pressão de ar durante a aceleração e frenagem. Surpreendentemente, ele saiu andando do equipamento sem um arranhão – provando que o corpo humano é completamente capaz de resistir a cargas massivas de G, ainda que apenas por um curto período de tempo.
Este recorde foi quebrado novamente nos anos 70 pelo Daisy Decelerator, construído para testar os efeitos das forças –Gx. O major John Beeding, voluntário da Aeronáutica americana, encarou assustadores 83g (ainda que por apenas 0,04 segundos) na parada quase instantânea do aparelho. Ele também saiu do experimento sem maiores danos.
Ambos os experimentos focavam apenas nos efeitos de forças G excepcionalmente altas em períodos extremamente curtos de tempo em grande parte porque isto é o que o corpo humano consegue suportar. Os experimentos tiveram implicações importantes, não apenas aqui na Terra, mas também para nossas aspirações de explorar o espaço. Como Bruce Thompson da NASA Quest explica:
O corpo humano pode tolerar acelerações violentas por períodos curtos, incluindo a aceleração prolongada e de alto G necessária para alcançar a órbita da Terra. Entretanto, períodos prolongados de aceleração de alto G durante a viagem entre planetas seriam muito nocivos ao corpo humano e, portanto, estão fora de cogitação.
Imagine viajar para Marte, acelerando durante todo o percurso a 3 gravidades. Você pesaria três vezes seu peso normal durante toda a duração da viagem e mal conseguiria se mover. Mas o que esta aceleração implacável faria ao seu corpo? Acelerações pesadas causam um processo de envelhecimento acelerado. Tecidos e capilares se quebram e o coração tem que trabalhar muitas vezes mais do que está preparado. Você certamente não chegaria lá em boa forma.
É um paradoxo interessante. Quanto mais perto da velocidade da luz viajamos, mais devagar envelhecemos (relativamente); por outro lado, quanto mais rápido nós aceleramos para chegar a estas velocidades, mais rápido nossos corpos envelhecem. Com sorte, avanços futuros na criogenia ou ao menos em compartimentos repletos de fluídos poderiam ajudar a absorver a força da aceleração de alto G, o que nos permitiria encurtar esta duração significativamente.
[ FAA – NASA – NOVA – University of Ohio – GForces – AV Stop – Soaring Safety]
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