Na primeira semana de home office você está com os pés para cima, curtindo o verão com uma cerveja do lado do notebook, aquela foto típica que causa invejinha no Instagram. No primeiro mês, se vangloria de não ter que pegar mais trânsito, de almoçar melhor. Visita coworking uma vez ou outra, a verdade é que os preços são salgados para quem ainda não sabe ao certo o salário do próximo mês. Então a saída para fugir da rotina é o café, esse lugar romanceado pelos escritores, mas que na prática pode ser um lugar com internet mais ou menos e que apesar do movimento, não significa mais chances de networking.
Enfrentando o mesmo dilema dos autônomos nas grandes metrópoles, a jornalista australiana Sharona Coutts recebeu uma oferta de trabalho irresistível. Morando no Brooklyn, em Nova York, foi contratada por um jornal de Washington que ofereceu salário e benefícios comuns a funcionários com a vantagem de nunca precisar ir ao escritório.
“Pela primeira vez comecei um trabalho remoto e a verdade é que amei não ter que ir ao escritório. Nos primeiros três meses focava melhor, não ficava doente como antes. Sabe como é, você não está se contorcendo de cólica no metrô”, diz em entrevista ao B9.
Quando o home office vira armadilha
Uma plataforma que usa o modelo de negócio do Airbnb para conectar freelancers e autônomos que desejam compartilhar a sala de casa pelo preço de um cafézinho
O sossego começou a virar monotonia e a repórter sentia falta de alguém para compartilhar ideias, trocar opiniões sobre o trabalho e se atualizar sobre assuntos da área. Com o marido, a nova rotina criou instabilidade. Ele chegava em casa cansado e não queria mais sair enquanto ela preferia jantar na rua depois de ficar o dia todo trabalhando de meia.
Procurando um meio termo entre a redação e o home office, Sharona convidou amigos freelancers para compartilhar sua casa e uma mesa de jantar onde cabem quatro pessoas. Com o tempo, passou a ser convidada para visitar escritórios na vizinhança. “Ao mesmo tempo não podia fazer isso todos os dias, às vezes precisava fazer entrevistas, imprimir documentos e ter o meu material organizado. Com o tempo encontrei equilíbrio e descobri que era produtivo separar pelo menos dois dias da semana para fazer coworking.”
Foi assim que nasceu o SpareChair, plataforma que usa o modelo de negócio do Airbnb para conectar freelancers e autônomos que desejam compartilhar a sala de casa pelo preço de um cafézinho, a partir de cinco dólares. “A ideia é oferecer uma opção que custe o mesmo preço de um café, mas que ofereça conforto, networking e garantia de uma boa internet”, diz Sharona.
Sharona visita escritório do Analista de Impostos Shiv Parikh, em Manhattan
Em fase beta desde 2014, hoje a plataforma conta com 500 usuários e cerca de 1500 na lista de espera. Além de listar escritórios improvisados, o serviço também mostra coworkings na região escolhida e startups ou pequenos escritórios com mesas para dividir.
O maior número de solicitações no serviço é brasileira, seguido pela Alemanha e Inglaterra
“Nosso sistema funciona como o Airbnb. Neste momento, qualquer um pode listar um home office. Os usuários avaliam as condições do espaço e a receptividade do anfitrião. Isso define se o local está marcado como verificado ou não. Comecei o Spare Chair porque precisava desta facilidade, então sempre visito escritórios novos. É mais um motivo para eu continuar a sair e trabalhar em novos lugares”, explica.
Sharona conta que o maior número de solicitações no serviço é brasileira, seguido pela Alemanha e Inglaterra. “No momento, curiosamente, o Brasil é o país que mais nos envia solicitações. É interessante, porque ouvi que coworkings por aí são realmente caros. Queremos abrir internacionalmente assim que conseguirmos, então encorajamos as pessoas a se cadastrarem, assim podemos entender a demanda para planejar a abertura.”
Por aqui, ainda não existe uma plataforma que atenda o mesmo nicho. Recém-lançado em fase beta, o Busca Sala, do empresário José Guilherme, é um serviço que lista coworkings, consultórios e escritórios disponíveis. “Se um médico é do interior e tem planos de atender duas vezes por semana em São Paulo, pode alugar um consultório ou um escritório com o dia vago”, comenta Guilherme. O empreendedor toca a startup de casa e usa os serviços de coworkings próximos da Berrini para reuniões com clientes e parceiros.
Os freelancers Nancy e Jerry visitam o homeoffice de Sharona, que oferece cozinha, microfones de rádio e uma Canon 5D
O que trabalho significa para você?
Atualmente, 34% da força de trabalho americana é autônoma, um em cada três trabalhadores é freelancer. De acordo com estudo de Robert Reich, ex-Secretário do Trabalho de Bill Clinton e hoje professor da Universidade de Berkeley, a estimativa é que este número aumente para para 44% em 2020.
“Já existe uma grande mudança acontecendo”, opina Sharona. “Antes, as pessoas se desesperavam ao saber que não ficariam no mesmo trabalho para o resto da vida. Tinham a segurança de passar por no máximo três empregos. E agora, o que um trabalho significa para você? Os milennials não querem sequer ter um trabalho subordinado.”
Na contramão dos escritórios descolados que criam diferentes focos de entretenimento para o funcionário (veja nossa visita ao escritório do Soundcloud em Berlim), a jornalista observa nos Estados Unidos uma movimentação para um uso inteligente e sustentável dos escritórios.
“Hoje existe um processo de pressão nos grandes escritórios que é de fora para dentro. As pessoas falam sobre equilíbrio na jornada de trabalho, qualidade de vida, não importa se você trabalha oito horas ou se incorpora este período no seu dia. Você quer ficar mais próximo das pessoas que você gosta. E na maioria das vezes, o escritório é o problema”, comenta. “Do lado das empresas, os escritórios ainda são o maior custo e os funcionários querem ficar cada vez menos dentro dele”.
No Brasil, apenas 36% das empresas oferecem uma opção de jornada flexível para os funcionários. De acordo com pesquisa da SAP Consultoria, dentro desta fatia, 19% dos escritórios são do ramo de tecnologia e TI.
A designer têxtil Shell Martinez compartilha seu estúdio, onde abre as portas para segundas mais criativas
Economia colaborativa como lifestyle
A economia peer-to-peer já estendeu-se dos negócios para a vida pessoal de Sharona. Em Nova York, a jornalista já usou EatWith para compartilhar um jantar com estranhos na casa de um chef local, deixou o cachorro com um usuário da comunidade DogVacay quando precisou viajar e em cidades onde o custo do táxi é caro abre o aplicativo Lyft para buscar uma carona na região.
Apesar da preocupação com a segurança, as pessoas estão mais abertas para criar relacionamentos com estranhos, uma porta aberta pelo Airbnb
“É interessante que em Nova York as pessoas criam relação com estranhos, mas muitas vezes não querem ser próximas dos seus vizinhos. Geralmente a sua casa é o lugar onde você quer ficar sozinho ou com as pessoas que gosta. Estes serviços criam um senso de comunidade, mas nos seus termos”, comenta. “No SpareChair, você trabalha em uma vizinhança próxima, mas é durante o horário comercial, tudo para evitar inconveniência.”
A jornalista acredita que apesar da preocupação com a segurança, as pessoas estão mais abertas para criar relacionamentos com estranhos, uma porta aberta pelo Airbnb. “No nosso caso, são profissionais que têm pequenos negócios e estão trabalhando com empreendedores que têm pequenos negócios. Em outro caso, são pessoas que trabalham como freelancer e buscam contato com gente da área, estão acostumadas a fazer networking. Por isso, a principal motivação do serviço é criar uma interação de trabalho.”
Com um número maior de freelancers, crescem também os serviços paralelos que dão suporte a autônomos. Seguindo os moldes dos alojamentos no Vale do Silício, o Pure House e o Krash são espaços que oferecem escritório e quarto temporário para quem trabalha viajando e quer aproveitar o tempo para conhecer pessoas da área. Para quem trabalha com criação, o Alpha On Labs compartilha ferramentas e mesas. E, claro, os coworkings hoje em dia são muito mais que um aluguel de mesa. Muitos oferecem workshops com especialistas, office hours para tirar dúvidas, palestras e discussões sobre temas atuais e até festa da firma para você não se sentir solitário no fim de ano.
Cozinha do Windson Terrace CoWork no Brooklyn. Todos os espaços selecionados nesta matéria custam cinco dólares
> GIF: Pedro Rosa/Talaguim
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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