Todos os anos nos fazemos a promessa de mudar o nosso comportamento e estragamos tudo
Para a indústria de autoajuda, o melhor momento do ano não é o Natal, mas as semanas que se seguem ao Natal – semana no calendário conhecida pelos palestrantes motivacionais como “Ano Novo, novo você”.
É a época de revistas e livros com títulos aspiracionais para mudar a vida e o rumo das pessoas. O dia 01/01 tem um poder simbólico: as resoluções de Ano Novo.
De acordo com algumas pesquisas de anos anteriores, mais de um terço dos norte-americanos, inclusive os menores de 45 anos, vai fazer resoluções de Ano Novo este ano, novamente: parar de fumar, perder peso e outras coisas do tipo.
Essa é uma verdade curiosa sobre a indústria da felicidade que, ao contrário das outras indústrias, a motivacional não tem nada a ganhar vendendo um produto que funciona.
Se você compra um smartphone ruim, no futuro é completamente normal que você evite aquela marca. Agora, na autoajuda, se um método falha, a culpa é sua.
Quando essa técnica falha, isso acontece porque você não estava pensando positivamente o suficiente e por isso é necessário pensar ainda mais positivo.
Na realidade, as pesquisas confirmam que, quanto mais repetimos afirmações, mas as pessoas ficam com a autoestima mais baixa ainda, uma vez que visualizar suas ambições faz com que as pessoas fiquem ainda mais desmotivadas para alcança-las e com isso a fixação de metas acaba saindo pela culatra.
A chave para o sucesso, defende o mais vendido escritor motivacional Brian Tracy é concentrar a nossa mente consciente sobre as coisas que desejamos, e não nas coisas que tememos.
Mensagens como a de Tracy se sustentam pelo fato de que elas entregam um impulso ao humor de curta duração, e quando isso acaba, a maneira mais óbvia de reativar o impulso é mais dose de motivação.
Se essa abordagem inútil atinge o seu pico no Ano Novo, talvez seja porque a atração do início completo e com novas crenças seja tentador.
Muitos de nós não iriam levar a sério a ideia de simular a nossa própria morte cometendo “pseudocídio”, para usar o termo cunhado por Doug Richmond em seu manual de 1997 sobre a criação de uma nova identidade.
Mas a visão de Ano Novo de transformação total de vida é realmente apenas uma versão modificada dessa ideia de nova identidade e não algo menos irrealista.
O problema é que a mudança de sucesso raramente funciona nessa dinâmica. Para ter certeza, faz sentido intuitivo imaginar que mudanças radicais seriam as mais eficazes, porque cada mudança apoiaria a outra.
Um grande número de evidências demonstra que a força de vontade é um recurso esgotável e escasso: a disciplina que exercemos durante a construção de um hábito do exercício, pelo menos inicialmente, nos deixa mais suscetível a comer hambúrgueres, e não menos.
No final, somos um péssimo juiz das resoluções que devemos selecionar para maximizar a felicidade. Por um lado, estamos notoriamente propensos a superestimar o efeito que qualquer mudança tem sobre o nosso humor e comportamento.
O estudo clássico desse efeito, conhecido como “ilusão do foco” pediu aos californianos e nebraskans para julgar qual deles eram mais felizes na costa oeste. Moradores de ambos os estados concluíram que, provavelmente os californianos eram mais alegres. Mas a verdade é que há muito pouca diferença entre eles, porque para a maioria de nós, na maior parte do tempo, o tempo simplesmente não exerce a influência que nos esperamos.
Isso explica a experiência de pessoas que se deslocam para cidades, arrancando as suas vidas em busca de mudança, apenas para perceber que há uma coisa que não pode ser deixada pra trás: eles mesmos.
Felizmente existem alternativas promissoras. Se tiver que fazer resoluções, opte pelas pequenas e individuais, repetindo-as ao longo do ano, ao invés de muitas e ambiciosas no início do ano.
O terapeuta cognitivo David Burns faz uma sugestão relacionada que é totalmente contraditória ao espírito tudo ou nada dos pensadores positivos: tentar ter um dia deliberadamente medíocre. Resolver realizar em torno de 60% de sua capacidade e com isso você vai encontrar uma atitude psicologicamente libertadora que será difícil não ultrapassar a sua meta.
O dogma da autoajuda oferece muitas ideias inúteis. Uma delas é que se você deve se concentrar incessantemente sobre o resultado que quer obter para que isso traga o resultado desejado para a sua vida.
Um estudo clássico e muito citado, o Estudo das Metas em Yale, supostamente mostrou que na turma de Yale de 1953, 3% das pessoas com metas específicas escritas, acumularam mais riqueza do que os outro 97% combinados. O problema é que esse estudo é quase comprovadamente puro mito.
A abordagem pode ser o mais sábio para elaborar um processo de metas: ao invés de especificar um salário-alvo para o próximo ano, comprometa-se a gastar 2 horas por semana investigando oportunidades de carreira. Ao invés de querer escrever o romance do século, comprometa-se a escrever durante 45 minutos todos os dias.
“Nada desestimula mais a concentração necessária para um bom desempenho do que se preocupar com o seu resultado esperado”, afirma o psicólogo esportivo John Eliot.
Porém, há um problema ainda mais comum com as resoluções de Ano Novo: em sua forma moderna, pelo menos, é apenas mais uma expressão da obsessão da indústria da autoajuda em estar motivado para encontrar e alcançar a grandeza.
De fato, como o psicólogo budista de influência japonesa Shona Morita gostava de salientar, é perfeitamente possível fazer o que você sabe que precisa para impulsionar-se para o ginásio, para abrir o laptop para trabalhar, para pegar um produto na prateleira do supermercado sem precisar se sentir motivado a fazê-lo.
“As pessoas pensam que elas devem sempre gostar do que estão fazendo para que a vida seja livre de problemas. Consequentemente sua energia mental é desperdiçada por tentativas impossíveis de se evitar sentimentos desagradáveis ou tédio”, afirma Morita.
Se isso soa como um conselho deprimente é realmente o contrário. Aplicado ao Ano Novo, o que isso significa é: fique à frente da curva, abandonando as suas resoluções antes do Ano Novo e comece fazendo as coisas que você quer realizar antes de morrer.
E então, em meados de janeiro, quando seus amigos e colegas de trabalho estiverem lutando para se sentirem entusiasmados tentando mudar-se completamente, você pode presunçosamente fazer um balanço das suas realizações até agora: nada de transformação revolucionária da vida, mas uma transformação real.
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Este artigo foi adaptado do original, “Oliver Burkeman on Failed New Year’s Resolution”, do The Daily Beast.