Até aqui, economistas e financistas sustentaram que o único propósito da atividade empresarial era fazer dinheiro — quanto mais, melhor. Esta imagem convenientemente estreita, profundamente enraizada no sistema capitalista americano, determina aquilo que a maioria das empresas faz, limitando sua atuação a maximizar o lucro a curto prazo e a gerar um retorno para acionistas. Suas decisões são expressas em termos financeiros.
Digo conveniente porque essa lógica deturpada obriga a empresa a ignorar o fato de que tem, a seu dispor, recursos imensos que influenciam o mundo para o bem ou para o mal — e que sua estratégia afeta a vida de trabalhadores, parceiros e consumidores de quem ela, a empresa, depende. Acima de tudo, a visão tradicional da atividade empresarial não incorpora o raciocínio usado pela grande empresa para atingir o sucesso. Uma empresa dessas acredita que a atividade empresarial é parte intrínseca da sociedade e sabe que — assim como a família, o governo e a religião — vem sendo um dos pilares da sociedade desde o despontar da era industrial. Uma grande empresa trabalha para ganhar dinheiro, é óbvio — mas, ao decidir como fazê-lo, pensa em erguer instituições duradouras. Investe no futuro ciente da necessidade de fortalecer também o indivíduo e a sociedade.
Neste artigo, volto os holofotes à lógica bem distinta — lógica social ou institucional — por trás de práticas de muitas empresas longevas, altamente admiradas e de alto desempenho. Nelas, a sociedade e o indivíduo não são algo secundário ou um insumo a ser usado e descartado. Em vez disso, estão no cerne de seu propósito. Estudos em campo que venho fazendo sobre empresas admiradas e financeiramente bem-sucedidas em mais de 20 países em quatro continentes fundamentam minhas ideias sobre o papel da lógica institucional na atividade empresarial.
A lógica institucional prega que a empresa é mais do que um instrumento gerador de dinheiro; é, também, um veículo para a promoção de metas da sociedade e para garantir um meio de vida relevante para quem nela trabalha. Segundo essa escola de pensamento, o valor criado por uma empresa deve ser medido não só pelo lucro a curto prazo ou pela folha salarial, mas também por sua capacidade de sustentar as condições que lhe permitam vicejar ao longo do tempo. Líderes numa empresa dessas produzem mais do que mero retorno financeiro; também erguem instituições duradouras.
Em vez de enxergar processos organizacionais como um meio de extrair mais valor econômico, uma grande empresa cria modelos que empregam valores da sociedade e valores humanos como critérios de decisão. No seu entendimento, a empresa tem um propósito e atende a necessidades de stakeholders de várias formas: produzindo bens e serviços que melhorem a vida do usuário; dando emprego e melhorando a qualidade de vida do trabalhador; montando uma rede forte de fornecedores e parceiros de negócios; e assegurando a própria viabilidade financeira, o que garante recursos para melhorias, inovação e retorno para investidores.
Ao desenvolver uma perspectiva institucional, dirigentes empresariais internalizam o que economistas normalmente consideravam externalidades e definem a empresa em torno de seus propósitos e valores. Tomam medidas que produzem valor para a sociedade — ainda que essas medidas não estejam ligadas à atividade básica de produzir e vender bens e serviços. Enquanto a meta da lógica financeira é maximizar o retorno sobre o capital — seja ele de investidores ou do proprietário —, o motor da lógica institucional é conciliar o interesse público com o retorno financeiro.
Embora deva estar alinhada à lógica econômica, a lógica institucional não precisa estar subordinada a ela. Toda empresa precisa, por exemplo, de capital para empreender suas atividades e se sustentar. Em grandes empresas, no entanto, o lucro não é o único fim; é, antes, um meio de garantir que siga havendo retorno. A visão institucional da empresa não é, portanto, mais idealizada do que a visão da maximização do lucro. Embora não possam ser vinculadas ao lucro a curto ou a longo prazo, atividades estabelecidas como P&D e marketing são aplaudidas por analistas de mercado. Para que a empresa sirva a um propósito além de sua carteira de negócios, seu investimento precisa incluir o empoderamento de funcionários, o envolvimento emocional, a liderança fundada em valores e contribuições correlatas à sociedade.
A história da atividade empresarial traz inúmeros exemplos de industriais que criaram empresas duradouras que também estabeleceram instituições sociais. O clã Houghton, por exemplo, fundou a Corning Glass no município de Corning, no estado americano de Nova York. A família Tata criou um dos maiores conglomerados da Índia e o polo siderúrgico de Jamshedpur, em Jharkhand. Esse modelo de responsabilidade empresarial perante a sociedade saiu de moda quando a lógica econômica e o capitalismo do acionista passaram a dominar premissas sobre a atividade empresarial e quando a empresa deixou de ter um vínculo com um lugar específico. No mundo globalizado de hoje, no entanto, a empresa precisa pensar de um modo distinto.
A globalização aumenta a velocidade das transformações; mais concorrentes, de mais lugares, produzem surpresa e choques. Uma economia mundial intensamente competitiva dá alto valor à inovação — inovação que depende da imaginação, da motivação e da colaboração humanas. Fusões e aquisições internacionais aumentam a complexidade, com seu sucesso dependendo da eficácia com que organizações são integradas. Além disso, alinhar metas da empresa com valores sociais para tentar obter legitimidade ou aprovação do público hoje é indispensável. A empresa que cruza fronteiras enfrenta questões de adequação cultural e relevância local; precisa obter a aprovação do poder público, de formadores de opinião e de membros da sociedade onde quer que atue. Seus trabalhadores são a um só tempo atores internos e representantes da empresa na comunidade externa.
Um líder só vai dar conta das mudanças e dos desafios dos dias atuais se enxergar a si mesmo como um construtor de instituições sociais. A meu ver, a lógica institucional deveria ter um lugar ao lado da lógica econômica ou financeira como princípio norteador da pesquisa, da análise, da educação, da política e da tomada de decisões de gestão. Nas páginas a seguir, vou descrever seis maneiras pelas quais grandes empresas usam a lógica institucional, como isso confere uma vantagem e como a perspectiva pode mudar radicalmente o comportamento da liderança e da empresa.
Um propósito comum
Pensar na empresa como uma instituição social dá à organização uma identidade coesa e serve de proteção contra a incerteza e mudanças.
Com a empresa crescendo, comprando e se desfazendo de ativos, o rol de atividades está sempre mudando; funções desempenhadas vão variando de país para país. Isso posto, o que, exatamente, dá à empresa uma identidade coesa? Onde estão as fontes de certeza que permitem que as pessoas ajam em meio à incerteza? Propósitos e valores — e não aparelhinhos fabricados — estão no cerne da identidade de uma organização e podem nortear as pessoas no esforço para achar coisas novas de utilidade para a sociedade.
Peguemos o grupo Mahindra, um conglomerado com sede em Mumbai que emprega 117 mil pessoas em cem países e fatura US$ 11 bilhões. Assim como muitas empresas em mercados emergentes, o Mahindra atua em vários setores: automotivo, financeiro, tecnológico e dezenas de outros. E, assim como outras grandes empresas, investe na criação de uma cultura fundada num propósito comum para garantir coerência em meio à diversidade, proclamando ser “muitas empresas unidas por um propósito comum: permitir que as pessoas cresçam”.
Empresas incríveis descobrem algo maior que as transações para prover propósito e significado.
A globalização desatrela a organização de uma sociedade específica, mas ao mesmo tempo exige que a empresa internalize necessidades de muitas sociedades. Estabelecer valores institucionais claros pode ajudar a resolver essa complexa equação. A PepsiCo, por exemplo, fez da saúde uma parte importante de seu desejo de atingir “Performance com Propósito”. Nutrição, responsabilidade ambiental e retenção de talentos são pilares que sustentam esse lema. Performance com Propósito dá um norte estratégico e motivação a distintas linhas de negócios em diversos países. Exige uma migração gradual de recursos daquilo que traz “prazer” para o consumidor para o que é “melhor” e, finalmente, para aquilo que é “bom” para o consumidor, no jargão da PepsiCo. Dá a justificativa para aquisições e investimentos. É a lógica por trás da criação de uma nova unidade na empresa, o Grupo Global de Nutrição, e novos papéis, como o de diretor global de saúde. Norteia a meta da redução ou eliminação de açúcar e sódio em alimentos e bebidas. Acima de tudo, dá uma identidade para quem trabalha na PepsiCo no mundo todo.
Um líder pode compensar a incerteza do mercado com a ancoragem institucional da empresa. Grandes empresas buscam algo maior do que transações ou carteiras de negócios para garantir propósito e sentido. Essa construção de sentido é um papel central do líder; já o propósito dá coerência à organização. A ancoragem institucional envolve iniciativas para erguer e fortalecer a cultura organizacional, mas é mais do que isso. Não raro, a cultura é um subproduto de atos passados, uma consequência passiva da história. A ancoragem institucional é um investimento em atividades e relacionamentos que talvez não criem de cara uma rota direta para resultados de negócios, mas que refletem os valores que a instituição esposa e como irá perdurar.
Para a empresa, a ancoragem institucional pode ser a diferença entre sobreviver e ser dizimada por mudanças de escala global. Um senso de propósito infunde uma organização de sentido, “institucionalizando” a empresa como parte da sociedade e garantindo a continuidade entre passado e futuro. O nome pode mudar, mas a identidade e o propósito seguirão. Em 2007, o grupo Santander, da Espanha, comprou o Banco Real e incorporou a instituição a sua carteira no Brasil. Mas a alma do Banco Real era muito mais do que ativos financeiros. Seu então presidente, Fábio Barbosa, foi encarregado de montar a nova empresa, o Santander Brasil. Embora a nova organização tenha enfrentado pressão para aumentar a rentabilidade da rede de agências, sob a liderança de Barbosa o foco do Real na responsabilidade social e ambiental, além de seu modelo de operação bancária, foi parar em todo o Santander Brasil e na controladora do banco.
Fusões que dão certo se destacam pela ênfase em valores e cultura. Quando a união de dois laboratórios suíços deu origem à Novartis, em 1996, o presidente Daniel Vasella queria que a missão da nova empresa tivesse relevância em escala mundial e fosse central para a integração e a estratégia de crescimento. A questão era como dar ao pessoal uma experiência tangível que refletisse esses valores. Quando sugeri a ideia de um dia mundial de serviços à comunidade — algo inédito na Europa à época —, a Novartis disse sim. A empresa permitiu que a subsidiária de cada país definisse como queria servir a comunidade local com base em sua interpretação daquilo que duas histórias e um futuro sugeririam. Agora, esse dia de prestação de serviços se repete todo ano na Novartis, no dia do aniversário da fusão.
Afirmar propósito e valores com a prestação de serviços é uma via comum para a grande empresa expressar sua identidade. Em junho de 2011, a IBM comemorou cem anos de existência com um dia de serviços ao mundo. Mais de 300 mil funcionários da casa se alistaram para prestar 2,6 milhões de horas de trabalho num dia mundialmente dedicado à atividade. Sua contribuição incluiu treinamento e acesso a ferramentas de software — muitas delas criadas especialmente para a ocasião — para escolas, órgãos públicos e ONGs. A lista de projetos incluiu orientação sobre privacidade e antibullying em cem escolas na Alemanha; um novo site na Índia para deficientes visuais, com lançamento em 50 localidades; e acesso a recursos para pequenas empresas para empreendedoras nos Estados Unidos. A IBM deu de graça as ferramentas (mesmo quando o software pudesse servir de base para produtos comerciais) para demonstrar seu compromisso em contribuir para a sociedade.
Foco no longo prazo
Encarar a empresa como uma instituição social gera uma perspectiva de longo prazo capaz de justificar qualquer sacrifício financeiro imediato exigido para que a empresa cumpra seu propósito social e perdure a longo prazo.
Para manter uma empresa viva é preciso recursos — daí a lógica financeira exigir atenção aos números. Mas grandes empresas estão dispostas a sacrificar oportunidades financeiras a curto prazo se forem incompatíveis com os valores da instituição. Esses valores pautam questões centrais para a identidade e a reputação da empresa — como qualidade de produtos, natureza dos clientes atendidos e subprodutos do processo de produção. O Banco Real, por exemplo, criou um processo de triagem para avaliar critérios sociais de clientes em potencial — e não só sua situação financeira. O banco estava disposto a rechaçar clientes que não satisfizessem seus critérios de responsabilidade ambiental e social. Esse sacrifício a curto prazo era, a longo prazo, uma prudente gestão de riscos.
A empresa que usa a lógica institucional volta e meia está disposta a investir no lado humano da organização — investimento que, embora possa não ser justificado pelo retorno financeiro imediato, ajuda a criar instituições sustentáveis. Na esteira da crise financeira asiática no final da década de 1990, o sul-coreano Shinhan Bank resolveu comprar um rival maior e mais antigo, o Chohung Bank, que fora socorrido pelo governo. Assim que a compra foi anunciada, 3.500 funcionários homens do Chohung Bank, todos sindicalizados e até de escalões de gerência, rasparam a cabeça em protesto e depositaram o cabelo em frente à sede do Shinhan no centro de Seul. A instituição teve de decidir se iria adiante com a aquisição e, em caso afirmativo, o que faria com os funcionários do Chohung.
Líderes do Shinhan aplicaram a lógica institucional. Negociaram um acordo com o sindicato do Chohung, adiando por três anos a integração formal, dando igual representação a gerentes do Shinhan e do Chohung num novo comitê de gestão e reajustando o salário dos trabalhadores do Chohung para equipará-lo com o do pessoal do Shinhan. E mais: distribuíram 3.500 bonés para cobrir a cabeça dos manifestantes.
O Shinhan investiu pesado naquilo que chamou de “integração emocional”, realizando uma série de retiros e seminários destinados não só a disseminar informações estratégicas e operacionais, mas também a estabelecer um vínculo social e criar a sensação de que o banco era “um só”. Segundo a lógica financeira, a adquirente estava jogando dinheiro fora. Em termos da lógica institucional do Shinhan, o investimento foi fundamental para garantir o futuro.
O resultado? Em 18 meses o Shinhan conseguira ampliar a base de clientes das duas instituições; já o sindicato do Chohung sentia dificuldade para instigar revolta contra um comprador benévolo. Embora a fusão só fosse ser formalizada dali a um ano e meio, funcionários do Shinhan e do Chohung já trabalhavam juntos em forças-tarefa e discutiam melhores práticas; com a disseminação de certas ideias, as agências das duas instituições começaram a ficar mais parecidas. O pessoal estava, na prática, se auto-organizando. No terceiro ano, quando a integração formal teve lugar, o desempenho do Shinhan era superior não só ao do setor bancário, mas também ao da bolsa sul-coreana.
Envolvimento emocional
A transmissão de valores institucionais pode evocar emoções positivas, estimular a motivação e promover a autorregulação ou a regulação pelos pares.
O desempenho de empresas e o comportamento dentro de organizações não é regido apenas pelo racionalismo utilitarista; emoções também exercem papel importante. O estado de ânimo é contagiante e pode afetar aspectos como absenteísmo, saúde e níveis de esforço e energia. Uma pessoa influencia a outra e, ao fazê-lo, eleva ou derruba o rendimento do outro, como revela meu estudo de equipes e organizações em fases boas e ruins (veja meu livro Confidence, Crown, 2004). Valores e princípios bem entendidos podem ser fonte de apelo emocional, o que pode aumentar o comprometimento do pessoal. Já que ter uma declaração de valores virou algo comum, a questão não é se a empresa possui, em algum lugar, um punhado de palavras chamadas de “valores”.
Aderir à lógica institucional faz com que a articulação regular de valores seja central para a atividade da empresa. Presidentes de empresas que estudei, fossem sediadas nos Estados Unidos, no México, no Reino Unido, na Índia ou no Japão, alocavam recursos consideráveis e o próprio tempo para injetar vida nova em velhos enunciados de valores, envolvendo gerentes em vários níveis na tarefa institucional de comunicar valores. Não era o texto em si que importava, mas o processo de cultivar um diálogo que mantivesse o propósito social no centro das atenções de todos e garantisse que o pessoal estivesse usando os valores organizacionais como norte na hora de tomar decisões.
Como executivo da Procter & Gamble, Robert McDonald há muito acreditava que o documento Propósito, Valores e Princípios da empresa era um dos pilares da cultura, evocando fortes emoções em funcionários e dando sentido às marcas da empresa. Um mês depois de assumir a presidência, em 2010, McDonald alçou o propósito — melhorar a vida de consumidores ao redor do mundo — a estratégia de mercado: melhorar a vida de mais gente em mais lugares e de forma mas completa.
Na África Ocidental, por exemplo, todo funcionário da P&G tem uma meta quantitativamente mensurável ditada por um propósito: que impacto tive neste ano? Daí a divisão de cuidados com o bebê na região ter montado clínicas ambulantes sob a marca Pampers para reduzir a mortalidade infantil e ajudar os pequenos a crescer fortes e saudáveis. Um médico e duas enfermeiras percorrem a zona em uma van: dão orientação sobre o cuidado pós-natal, examinam bebês e enviam as mães a hospitais para acompanhamento ou imunização. Além disso, cadastram as mães no mVillage, um serviço de mensagem de texto (boa parte da população carente na África Ocidental tem celular) que dá dicas de saúde e um canal para o usuário tirar dúvidas com profissionais da saúde. Ao final de toda visita da clínica ambulante, as mães ganham duas fraldas Pampers. O apelo emocional para o pessoal da P&G é forte; esses funcionários se sentem inspirados pelo fato de que seu produto está no centro de uma missão para salvar vidas. Também se orgulham do fato de que as vendas de fraldas Pampers tenham disparado e de que a África Ocidental esteja entre os mercados da P&G que mais crescem
Em empresas que se enxergam como instituições sociais, o trabalho é emocionalmente gratificante e o sentido reside na organização como um todo — e não
no culto menos sustentável de uma personalidade. Embora altos líderes exemplifiquem e comuniquem o propósito e os valores da empresa, todos vestem essa camisa — e os valores acabam incorporados a tarefas, metas e critérios de desempenho. Em vez de depender de figuras carismáticas, grandes empresas “rotinizam” o carisma para que este se espalhe por toda a organização.
Parceria com o público
A necessidade de transpor fronteiras e setores para explorar novas oportunidades de mercado deve ser acompanhada da atenção a questões públicas que extrapolam as fronteiras da empresa, exigindo a formação de parcerias público-privadas nas quais executivos consideram interesses da sociedade juntamente com seus interesses comerciais.
Um paradoxo da globalização é que esta pode aumentar a necessidade de vínculos locais. Para prosperar em regiões e jurisdições políticas distintas, a empresa deve erguer, em cada país, uma base de relacionamentos com representantes do governo e intermediários públicos, bem como com fornecedores e clientes. Só assim a empresa irá garantir que suas pautas permaneçam alinhadas ainda que circunstâncias — e autoridades públicas — mudem. Esses stakeholders externos estão tão interessados na contribuição de empresas para a comunidade local quanto em seus recursos transacionais. Ao mesmo tempo, grandes empresas querem tanto uma extensa família de relacionamentos duradouros como um lugar à mesa na definição de políticas que afetem seus negócios.
Parcerias público-privadas voltadas a necessidades da sociedade estão crescendo em número e importância e são particularmente comuns entre empresas que pensam de forma institucional. Uma parceria pode assumir várias formas: atividades internacionais tocadas em colaboração com a ONU e outros organismos mundiais (como o programa Children’s Safe Drinking Water da Procter & Gamble, em parceria com a Unicef e várias ONGs); grandes projetos nacionais, feitos em colaboração com órgãos do governo e agências de desenvolvimento (projetos agrícolas da PepsiCo no México com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, por exemplo); desenvolvimento de produtos ou serviços para preencher lacunas na sociedade (elos da P&G com hospitais públicos na África Ocidental, por exemplo); ou iniciativas voluntárias de curta duração (o trabalho da IBM na esteira do tsunami na Ásia, do furacão Katrina e de terremotos na China e no Japão para fornecer software para monitorar suprimentos e reunir famílias).
Em empresas que aderem à lógica institucional, executivos não cultivam relacionamentos com autoridades públicas para receber algo em troca ou para a aprovação de negócios específicos. O que buscam é entender e contribuir para a pauta pública — e, ao mesmo tempo, influenciá-la. Um exemplo: o diretor mundial de saúde da PepsiCo, que veio da Organização Mundial da Saúde, está esboçando um projeto intersetorial para reduzir a obesidade infantil. Samuel Palmisano, presidente da IBM, percorre o globo seis ou sete vezes ao ano para se reunir com autoridades nacionais e regionais — e discutir como a IBM pode ajudar cada país desses a atingir suas metas. Não se trata de vendas nem de marketing; é uma conversa de alto nível para demonstrar o compromisso da empresa com o desenvolvimento dos países nos quais atua. Esse envolvimento da cúpula ajuda outros líderes da IBM a conseguir um lugar à mesa quando são travadas discussões sobre o futuro do país.
É preciso o esforço de muitos para erguer uma instituição. Quanto maior o interesse da cúpula da empresa em relações externas, maior a probabilidade de que seus líderes envolvam e premiem outros por cultivar relações com a nação e a comunidade. Ainda que relativamente pouca gente tenha responsabilidade formal por essas interfaces externas, um grande número pode realizar um trabalho institucional — com atividades voluntárias, participando de reuniões públicas, prestando serviços à comunidade. Essa atividade projeta um senso de genuína motivação. Não é difícil vender o trabalho na comunidade para quem nasceu no lugar ou vive ali há muito tempo; há um vínculo emocional com o local que torna esse trabalho desejável. Já para gente cuja carreira faz com que mude sempre de lugar, esse trabalho é uma maneira de conectar seu papel organizacional à localidade na qual a pessoa se encontra no presente, fazendo com que se sinta mais enraizada.
Quando passa a considerar que tem um propósito na sociedade, um líder pode optar por se envolver no plano local, no nacional e até no mundial. Anos atrás, o cabeça da IBM na grande China organizou uma missão pessoal diplomática a Washington; teve encontros com funcionários da Casa Branca e políticos americanos para discutir o impacto do despontar da China como superpotência econômica. Tinha o desejo de ver as duas nações prosperando e acreditava que seu papel numa multinacional lhe dava uma perspectiva única. Após se aposentar, em 2009, continuou a ser o que a IBM chama de “super alum” (um “superveterano”); com o apoio da empresa, frequentou uma importante universidade americana por um ano para estudar o setor da saúde. No final de 2010, voltou à China e lançou uma iniciativa com um instituto do governo chinês para criar uma base de conhecimentos habilitada por TI sobre a medicina chinesa tradicional — projeto erguido a partir de vínculos da IBM.
Inovação
Articular um propósito maior do que ganhar dinheiro pode nortear estratégias e ações, abrir novas fontes de inovação e ajudar cada um a expressar valores pessoais e da empresa em seu trabalho diário.
A tese de que a empresa serve a sociedade ganha credibilidade quando seus líderes aplicam tempo, talentos e recursos em projetos nacionais ou comunitários sem buscar retorno imediato e quando incentivam gente de um país a servir um outro. Para formar futuros líderes, por exemplo, um serviço da IBM (o Corporate Service Corp) despacha equipes diversificadas com os melhores talentos da empresa para projetos de um mês de duração ao redor do mundo. A atenção dada a necessidades sociais muitas vezes gera ideias que levam a inovações. Para a Cemex, operar pela lógica institucional e considerar necessidades sociais não satisfeitas já gerou inovações como concreto antibacteriano, especialmente importante para hospitais e instalações agrícolas; concreto resistente a água, útil para áreas sujeitas a inundação; e material de pavimentação derivado de pneus usados, algo desejável em países com rápida expansão da malha viária. Uma ideia do Egito para concreto resistente a água salgada, útil para aplicações marítimas e portuárias, foi lançada comercialmente nas Filipinas.
As empresas que dizem servir a sociedade ganham credencial quando elas alocam recursos para projetos comunitários sem procurar retornos imediatos.
O desenvolvimento institucional ajuda a conectar parceiros em todo um ecossistema, produzindo inovação no modelo de negócios. Em 2001, a Cemex lançou o Construrama, um programa de distribuição para pequenas lojas de material de construção. Era uma resposta à concorrência imposta pelas americanas Home Depot e Lowe’s, que naquele momento entravam na América Latina. O Construrama dá ao pequeno comércio treinamento, apoio, uma marca forte e fácil acesso a mercadorias. Em respeito a seus valores, a Cemex buscou estabelecimentos que contassem com a confiança da comunidade, rejeitando aqueles cujas táticas comerciais não satisfizessem as normas éticas da empresa. A Cemex detém a marca Construrama e está a cargo de promoções, mas não cobra de distribuidores, não opera lojas e nem tem autoridade decisória. Exige, no entanto, que todo estabelecimento satisfaça seus critérios de operação. Entre eles está a participação em iniciativas comunitárias filantrópicas — ampliar um orfanato ou reformar uma escola, digamos. Em meados da década de 2000, o Construrama contava com um número suficiente de lojas para figurar como uma grande cadeia de varejo na América Latina e rumava para outros países em desenvolvimento.
Abrir oportunidades para que indivíduos utilizem recursos da empresa para servir a sociedade contribui para metas de criação de instituições. Trabalhadores da Novartis atuam em hospitais, onde veem em primeira mão os desafios de doenças e como seus fármacos são usados. Em 2011, funcionários da P&G a bordo de vans percorreram zonas do sul dos EUA devastadas por enchentes na campanha Tide Loads of Hope. Nessas lavanderias móveis, gerentes e outros profissionais lavavam roupa para a população local, conhecendo a gente dali e suas circunstâncias. Uma interação dessas expressa valores da empresa e também produz um valioso aprendizado.
Auto-organização
Grandes empresas partem do princípio de que podem confiar nas pessoas e se fiar em relacionamentos, não só em regras e estruturas. São mais inclinadas a tratar funcionários como profissionais com autonomia que coordenam e integram atividades através da auto-organização e da geração de novas ideias.
A lógica institucional sustenta que o indivíduo não é um folgado de olho só no salário e em fazer o mínimo possível — nem um autômato capaz de exibir um alto desempenho mediante ordens. Em vez disso, é o trabalhador quem decide que ideias trazer à tona, quanto esforço aplicar a cada uma e onde mais contribuir além de sua ocupação diária. A alocação de recursos é, portanto, determinada não só por estratégias formais e processos orçamentários, mas também por relações informais, atos espontâneos e preferências de indivíduos em todos os níveis.
Para entender plenamente uma empresa é preciso conhecimento de sua estrutura social e redes informais; já otimizar o desempenho requer investimentos sociais. No Shinhan Bank, as duas organizações se integraram por conta própria graças a laços sociais e relacionamentos — e bem antes do prazo final de três anos estipulado para a integração oficial. Essa nova ligação se manifestou em gestos como cada banco voluntariamente exibindo a bandeira do outro em sua sede. Na Procter & Gamble, gerentes no Brasil viraram tradições estratégicas e organizacionais de cabeça para baixo para criar alternativas de baixo custo e alta qualidade a produtos nobres. Promoveram essa iniciativa de risco por conta própria e se auto-organizaram para garantir um trabalho transfuncional em equipe mais próximo e parcerias com clientes. Sentiram a obrigação de melhorar a vida do consumidor que não podia pagar por produtos premium. Uma lógica institucional similar levou a equipe da P&G Himalaya, um grupo transfuncional internacional, a achar maneiras de tornar os aparelhos Gillette acessíveis e atraentes para homens volta e meia feridos por barbeiros empunhando navalhas enferrujadas ou sem corte.
Articular um propósito maior que fazer dinheiro pode abrir novas fontes para inovação.
Gerentes em grandes empresas entendem que estruturas formais podem ser gerais ou rígidas demais para acomodar caminhos multidirecionais para o fluxo de recursos e ideias. A rigidez inibe a inovação. Redes informais temporárias, que se organizam sozinhas e vão mudando de forma, são mais flexíveis e podem fazer a conexão entre indivíduos ou unir blocos de recursos mais rapidamente. O papel formal do trabalhador passa a parecer a base a partir da qual esse indivíduo se desloca continuamente para o exercício de suas tarefas e projetos diários, desenvolve relações de trabalho e participa de atividades em equipe ou grupo. Organizações matriciais — em que o indivíduo se reporta a dois ou mais chefes dependendo das distintas dimensões de sua função — viram o que chamo de “matriz turbinada”. Um indivíduo tem de prestar contas em várias dimensões simultaneamente, cuidando de vários projetos e usando suas redes para reunir recursos para todas essas iniciativas, não raro sem passar por uma hierarquia de tomada de decisão.
Embora haja um componente de tédio e confinamento em várias ocupações — muita gente na Cemex trabalha em fábricas, nas agências do Shinhan há caixas presos atrás de um guichê o dia todo e toda empresa tem pessoal administrativo confinado a suas mesas —, deixar que o indivíduo tome decisões sobre onde, quando e com quem trabalhar torna a atividade mais envolvente. Todo dia, por exemplo, cerca de 40% dos funcionários da IBM nos EUA não vão a uma instalação da IBM. Trabalham em casa ou em clientes, indo de um lugar para outro e tirando folga quando bem entendem. Programas de trabalho em casa da IBM, como o lançado no Japão em 2001, chamaram a atenção de governos interessados em manter a mulher com formação técnica na força de trabalho. Em certos casos, a IBM subsidia a manutenção da infraestrutura em casa, o que já permitiu a uma funcionária formada em Harvard e trabalhando na Índia conciliar o trabalho num projeto com a criação dos filhos e a uma gerente de software no Egito mudar com o marido para Dubai.
A lógica institucional parte do princípio de que todos estão interessados no destino da empresa como um todo — e não só no próprio trabalho ou na própria promoção — e em catalisar melhorias e inovações sem esperar por ordens ou se aferrar ao que diz a descrição do trabalho. Hoje em dia, uma descrição dessas capta apenas parte daquilo que as pessoas fazem; avaliações de desempenho e faixas salariais registram apenas algumas das atividades pelas quais um indivíduo pode agregar o maior valor à empresa.
Quando as pessoas se organizam por conta própria para criar redes e trocar informações, novas iniciativas ou inovações costumam ser o resultado.
Embora a organização obviamente deva incentivar a criação dessas redes e facilitá-las por meio de plataformas de comunicação ou espaços de encontro, em geral a rede viceja de verdade quando brota de voluntários fazendo coisas que chefes talvez nem tivessem previsto. E mais: essas redes auto-organizadas podem manter viva uma ideia boa mesmo que a organização há muito a tenha abandonado.
Na PepsiCo, por exemplo, três gerentes na América Latina dividiam havia mais de uma década o sonho de criar novas variedades de batata adequadas para climas do sul, com menos amido e ecologicamente sustentáveis. A seu ver, a iniciativa devia ser sediada no Peru, berço da batata. O trio permaneceu em contato apesar de cada um ter tomado um rumo distinto — e seguiam apresentando a ideia sempre que podiam, mesmo depois de anos de resposta indiferente. Acabaram recebendo um impulso quando uma nova batatinha peruana cuja criação defenderam virou uma sensação. Os chips, que usavam batatas multicoloridas de pequenos produtores de vilarejos remotos dos Andes, uniam nutrição, sabor e contribuição social. A prova de conceito converteu o sonho em realidade: em agosto de 2010 a presidente Indra Nooyi anunciou a criação de um centro mundial de desenvolvimento de batata no Peru, sob o comando de um dos três gerentes.
Comunidades auto-organizadas podem ser um incrível motor de mudanças, levando empresas a enveredar por caminhos, que, sem isso, não tomariam. Mesmo sem ordens formais, indivíduos agem como exploradores e empreendedores. Não fosse por redes surgidas espontaneamente, por exemplo, a IBM poderia ter chegado tarde ou até mesmo passado batido por duas grandes ideias no mercado: a virtualização e a computação verde. As duas foram parar entre as principais prioridades estratégicas da IBM depois de uma Innovation Jam em julho de 2006: um bate-papo transcorrido na internet por vários dias no qual mais de 140 mil funcionários apresentaram ideias.
A iniciativa de virtualização tomou forma fora das estruturas formais e, a princípio, como atividade voluntária. Cerca de 200 pioneiros na adoção de plataformas virtuais — como a Second Life da Linden Labs e similares — se conheceram pelas salas de bate-papo da empresa e criaram um grupo informal de gente que trocava ideias nas horas vagas através de avatares e telefonemas semanais, com linhas de conferência às vezes abertas também no mundo virtual. Após um ano de auto-organização informal, a rede achou um executivo da IBM para atuar como patrocinador. Na esteira, a IBM identificou a virtualização como oportunidade de negócios emergente e disponibilizou verba para a empreitada.
Meu argumento deu uma volta completa. Uma lógica pela qual o trabalhador é tratado como um voluntário com autonomia — na prática, como um verdadeiro profissional interessado em um alto desempenho por acreditar na empresa como instituição — torna importante ter um propósito motivador e valores que deem coerência e uma identidade comum. O primeiro permite o segundo. Os seis princípios que descrevo neste artigo são interligados e dividem muitas características. Sobretudo no caso de grandes empresas globais, erguer uma instituição não é o resultado da realização de atividades específicas, mas uma busca coerente e holística na qual elementos se reforçam mutuamente, estão inextricavelmente ligados e refletem uma lógica e um estilo de liderança que permeiam a empresa.
Confiar que as pessoas farão suas escolhas sobre onde, quando e com quem elas irão trabalhar faz os empregos mais engajantes.
Não faltam céticos, é claro. Empresas que se apresentam como instituições interessadas em servir a sociedade costumam ser alvo de maior escrutínio do que outras, e precisam enfrentar críticas sobre o vão entre aspirações declaradas e desempenho — financeira e socialmente. Se ganharem dinheiro ao fazer o bem, serão criticadas por manipulação; se fizerem algum bem, mas não o bastante para resolver problemas complexos, serão criticadas por falta de coragem ou compromisso. Apesar do crescente número de defensores de uma nova modalidade de capitalismo que acha oportunidades para que todos ganhem ao criar valor tanto para empresas como para a sociedade, ainda há controvérsia quanto aos deveres da empresa.
Grandes empresas mundiais não estão paradas à espera de teorias revolucionárias ou respostas perfeitas. Seus líderes já empregam uma lógica institucional ou social para suplementar a lógica econômica ou financeira na condução e na expansão de seus negócios. Embora não possa ser expressa por equações de custo-benefício ou reduzida à linguagem da economia, a lógica institucional é um poderoso motor do desempenho financeiro.
Líderes em grandes empresas podem contar uma história distinta sobre a base para suas decisões. Com isso, são capazes de produzir novos modelos de ação com o poder de restaurar a confiança na empresa e mudar o mundo em que vivemos.
_
Artigo de Rosabeth Moss Kanter na Harvard Business Review