A saída da crise passará, necessariamente, pela reversão da trajetória de gastos públicos. Esse ajuste não será fácil. O populismo dos últimos anos resultou no comprometimento dos gastos públicos para além do compatível com a renda do país. Prometemos mais do que podemos entregar.
A superação da crise demandará ampla deliberação democrática sobre as difíceis escolhas que temos que enfrentar. Não só dos mais vocais (e abastados), cujo descontentamento se expressa nas manifestações contra o governo. Mas, principalmente, da maioria da população que não têm acesso aos mecanismos de pressão dos grupos de interesse.
A pesquisa do Instituto Data Popular, discutida por Malu Gaspar na revista Piauí, mostra que a insatisfação dos grupos com menor renda decorre da percepção de que o governo não entregou o prometido. A crise resulta no aumento do desemprego, na inflação que reduz o poder de compra e no encolhimento dos programas sociais. Como bem coloca o diretor do Data Popular, os mais pobres querem um Estado provedor.
LIDERAR A TRANSIÇÃO, DANDO O EXEMPLO, REQUER QUE TODAS AS POLÍTICAS PÚBLICAS SEJAM REAVALIADAS SOB OS CRITÉRIOS DE EFICIÊNCIA E JUSTIÇA DISTRIBUTIVA. POLÍTICAS QUE FRACASSEM NAS DUAS DIMENSÕES DEVERIAM SER ELIMINADAS.
A economia política não pode ser ignorada: como conciliar a necessidade do ajuste fiscal com a demanda por um Estado provedor? O governo deveria dar o exemplo. Houve uma impressionante expansão das políticas públicas nos últimos anos. Em muitos casos, porém, não existem avaliações sobre o seu impacto. Quais foram os grupos beneficiados? Em que medida as políticas são eficazes? Qual o seu custo de oportunidade? Em particular, quais políticas sociais não cumprem o papel provedor para os mais pobres, ou garantirem políticas universais como saúde e educação?
Como conciliar a necessidade do ajuste fiscal com a demanda por um Estado provedor? Click To TweetO país é pródigo em políticas simultaneamente ineficientes (que diminuem o tamanho do bolo) e regressivas (que beneficiam desproporcionalmente os mais ricos). Essas políticas foram intensificadas nos últimos anos. Liderar a transição, dando o exemplo, requer que todas as políticas públicas sejam reavaliadas sob os critérios de eficiência e justiça distributiva. Políticas que fracassem nas duas dimensões deveriam ser eliminadas.
Fomentar campeões nacionais com empréstimos subsidiados transfere renda da sociedade para alguns grupos selecionados, seja com a cobrança de tributos, seja diminuindo os recursos disponíveis para intervenções redistributivas, como saneamento e transporte coletivo. Sem comprovação convincente de ganhos sociais, o fomento aos campeões nacionais não passa no crivo. Qual o benefício social das políticas de subsídio disseminadas nos últimos anos? Em que medida esses benefícios compensam os custos para o Tesouro e comprometem outras políticas públicas? Qual o seu impacto sobre a produtividade e o crescimento?
Desonerações tributárias e políticas que premiam alguns em detrimento dos demais distorcem a alocação na economia. Recursos excessivos são alocados na atividade beneficiada, diminuindo a produtividade da economia. Insular setores escolhidos de competição externa gera ineficiência e transfere renda para os protegidos à custa dos demais.
Desonerações tributárias e políticas que premiam alguns em detrimento dos demais distorcem a alocação na economia. Click To TweetO imposto sindical incide sobre o conjunto dos trabalhadores, distorcendo suas decisões e retirando-lhes recursos. O mesmo ocorre com as contribuições para as federações que representam as empresas. Em ambos os casos, trata-se de recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade sem a adequada transparência sobre o seu destino. Por que não adotar os mesmos procedimentos que regulam as empresas de capital aberto, com auditorias independentes e publicação de balanços que discriminem como os recursos foram utilizados?
Ensino universitário gratuito beneficia sobretudo as famílias entre os 10% mais ricos, enquanto muitos estudantes das famílias mais pobres pagam pelo ensino superior. É justa a gratuidade do ensino superior aos que obtém melhores notas em um país cujas famílias de maior renda têm acesso a ensino básico (pago) de melhor qualidade?
Projetos de mobilidade urbana que diminuam o tempo de deslocamento da periferia deveriam ser prioritários em relação a alternativas que beneficiem poucos. Servidores públicos – em quaisquer carreiras – combinam estabilidade no emprego com salários em média maiores que os do setor privado. Deve-se reavaliar os critérios de estabilidade e, considerando as peculiaridades do setor público, rever os incentivos para que serviços de qualidade sejam providos a todos cidadãos.
Uma agenda republicana deveria tratar os iguais como iguais e daria o exemplo para aqueles de quem são cobrados sacrifícios. A superação da crise requer enfrentar, com transparência e deliberação democrática, difíceis escolhas. Podemos resolvê-las em benefício da maioria e contribuir para a retomada do crescimento, ou preservar os privilégios para grupos selecionados e assistir ao agravamento da crise. Para prejuízo de todos.
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Marcos Lisboa é presidente do Insper, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia. Atuou como professor assistente no Departamento de Economia da Universidade de Stanford e da EPGE/FGV. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e presidente do Instituto de Resseguros do Brasil. Diretor executivo do Itaú-Unibanco, entre 2006 e 2009, e vice-presidente até 2013.
Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello são PhDs em economia pela Stanford University. São, respectivamente, professores no Departamento de Economia da PUC-Rio e no Insper.
Artigo publicado em Nexo