A história é provavelmente apócrifa e há relatos semelhantes com outras pessoas, mas, como aprendi com Neil Gaiman, uma história não precisa ter ocorrido para ser verdadeira.
De qualquer forma, conta-se que Milton Friedman, em visita à China, teria perguntado o porquê de, em determinada construção, trabalhadores usarem pás em vez de máquinas, ao que o burocrata que o acompanhava teria respondido que se tratava de um programa de empregos, motivando o seguinte comentário: “Ah, achei que vocês estavam construindo um canal; se querem emprego, vocês não deveriam dar aos trabalhadores pás, mas colheres”.
Digo isso, claro, a propósito da decisão da Câmara Municipal do Rio de eliminar a figura do motorista-cobrador, comemorada por luminares da esquerda como Marcelo Freixo.
Embora o pretexto tenha sido garantir “menos estresse ao motorista e mais segurança na condução do veículo”, a lógica por trás da proposta era a velha proposta luddista, igual, em espírito, por exemplo, à do deputado (e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação!) Aldo Rebelo que proíbe bombas de autosserviço em postos de gasolina.
A ideia, que permeia tipicamente o “pensamento” de esquerda, é que avanços da produtividade resultariam em redução do nível de emprego, apesar de evidências avassaladoras em contrário.
Aproveitando, por exemplo, a base de dados do Banco Mundial, que permite comparações não apenas entre países distintos mas também em diferentes momentos, noto que o produto americano por trabalhador entre 1991 e 2016 aumentou nada menos do que 47% (em média pouco mais do que 1,5% ao ano). Caso a relação entre emprego e produtividade fosse como a sugerida acima, tal desenvolvimento deveria implicar aumento maciço do desemprego.
Ao contrário, porém, durante esse período o emprego cresceu 33% (36% no caso do emprego privado), enquanto a taxa de desemprego caiu de 7% para 5%.
Muito embora a comparação ponto a ponto não esgote o assunto, não há nenhuma tendência crescente da taxa de desemprego nos EUA; pelo contrário, em que pesem flutuações cíclicas consideráveis (como na crise de 2008-09), se há alguma tendência, é de leve queda do desemprego, independentemente da particular medida que se escolha.
Já no Brasil os desenvolvimentos não foram dos mais auspiciosos: o produto por trabalhador no mesmo intervalo aumentou 16% (0,6% ao ano); usando dados até 2013, desconsiderando os anos de recessão, o avanço fica em 24% (1,0% ao ano). Entre as 230 economias (países e regiões) listadas, éramos a 89ª em termos de produto por trabalhador em 1991, mas caímos para 112ª posição em 2016 (105ª em 2013).
O Brasil tem um sério problema de produtividade, que vem se agravando, mesmo antes da recessão mais grave da história recente. Obviamente isso não se deve exclusivamente à obrigatoriedade de frentistas (ou cobradores), mesmo quando desenvolvimentos tecnológicos tornam obsoletas essas funções.
No entanto, a reação dos setores afetados pelas mudanças tecnológicas e a rapidez com que políticos, principalmente entre os autodenominados “progressistas”, abraçam essas causas perdidas colaboram, e não pouco, para a perda persistente de competitividade na arena internacional.
Mas querem, em compensação, controlar câmbio e juros.
Autor: Alexandre Schwartsman Fonte: “Folha de S. Paulo”