Um leitor nos enviou a seguinte pergunta:
“Concordo que o estado é ineficiente, propenso à corrupção e ao desperdício. Concordo também que ele gera vários privilégios para quem está dentro da máquina pública. Mas vocês ao menos concordariam que, se não fosse o estado, os pobres seriam ainda mais pobres, certo?”
Outro leitor enviou um comentário no mesmo sentido da pergunta acima:
“Dizem que não se deve dar o peixe ao povo, que deve ensiná-lo a pescar. Mas, se lhe tiramos o barco, os anzóis, a vara de pescar, temos que começar a lhe dar o peixe. Sem o Bolsa-Família, o que seria dos pobres?”
Outro leitor complementou:
“O problema é que o estado só é mínimo na vida dos pobres.”
Na mesma linha, outro leitor concluiu:
“Se não fosse o estado, o que seria das pessoas que vivem na extrema pobreza e com pouca expectativa de vida?”
E outro, finalmente, arrematou (provavelmente parodiando Thomas Hobbes):
“E como seria a vida dos pobres sem o estado? Inimaginável, sórdida, solitária, bestial e curta”.
O que é interessante é que, por trás de todas as afirmações acima, há a ideia — já dada como certa — de que o estado é o solucionador (ou, pior das hipóteses, o remediador) da pobreza.
Segundo os defensores do assistencialismo, o estado — por mais defeitos que tenha — é quem impede que os pobres sejam ainda mais pobres, que a miséria se torne mais profunda, e que a expectativa de vida decline ainda mais.
Alguns — como é o caso do primeiro leitor — até conseguem ver o estado como uma máquina ineficiente que representa um grande entrave ao desenvolvimento. No entanto, e curiosamente, quando se trata de amenizar e até mesmo acabar com a pobreza — algo infinitamente mais complicado do que simplesmente atravancar o progresso —, aquela máquina ineficiente e corrupta miraculosamente se transforma na solução suprema e inquestionável.
Como o estado é capaz de operar essa transubstanciação?
As perguntas que devem ser feitas
Eis uma pergunta raramente feita: por que as pessoas adoram debater sobre assistencialismo estatal (contra ou a favor), mas quase ninguém fala sobre as políticas governamentais que empurraram as pessoas para a pobreza?
Eis outra pergunta raramente feita: por que o estado nunca é visto como o causador da pobreza que ele próprio se propõe remediar?
Segundo os defensores do assistencialismo, o estado socorre os pobres, transfere-lhes poder de compra e lhes garante condições mínimas de vida.
Beleza. Mas isso nos leva às seguintes perguntas:
- Quem é que detém o monopólio da moeda e, consequentemente, adota políticas que destroem o poder de compra dessa moeda, perpetuando a pobreza dos mais pobres?
- Quem é que, ao estimular o setor bancário a expandir o crédito — e, com isso, fazer com que a inflação de preços se mantenha continuamente alta —, intensifica a redução do poder de compra dos mais pobres?
- Quem é que, ao incorrer em déficits orçamentários e com isso desvalorizar a moeda e a taxa de câmbio, não apenas aniquila o poder de compra dos mais pobres, como também os impede de utilizar seu já escasso poder de compra para adquirir produtos importados, o que melhoraria bastante seu padrão de vida e bem-estar?
- Quem é que, além de desvalorizar a moeda, a taxa de câmbio e gerar inflação de preços, ainda impõe tarifas protecionistas para proteger o grande baronato industrial — e, com isso, impedir duplamente que os mais pobres possam adquirir produtos baratos do exterior?
- Quem é que, ao estimular a expansão do crédito imobiliário via bancos estatais, encarece artificialmente os preços das moradias e joga os pobres para barracões, favelas e outras áreas com poucas expectativas de vida?
- Quem é que impede que os moradores de favelas obtenham títulos de propriedade, os quais poderiam ser utilizados como garantia para a obtenção de crédito, com o qual poderiam abrir pequenas empresas, fornecer empregos e, de forma geral, se integrar ao sistema produtivo?
- Quem é que tributa absolutamente tudo o que é vendido na economia, e com isso abocanha grande parte da renda dos pobres?
- Quem é que, por meio de agências reguladoras, carteliza o mercado interno, protege grandes empresários contra a concorrência externa e, com isso, impede que haja preços baixos e produtos de qualidade no mercado, prejudicando principalmente os mais pobres?
- Quem é que cria encargos sociais e trabalhistas que encarecem artificialmente e mão-de-obra e, com isso, gera desemprego, estimula a informalidade e impede que os salários sejam maiores?
Após responder a todas as perguntas acima (dica: a resposta é a mesma para todas elas), você verá o quão “sensata” é essa ideia de que é o estado quem salva os mais pobres.
Após ter criado toda essa cornucópia de intervenções e com isso destruir o poder de compra dos mais pobres, o estado criou um esquema de assistencialismo para tentar mitigar os efeitos nefastos causados pelas intervenções acima descritas.
Em vez de simplesmente abolir todas as causas da perpetuação da pobreza, a entidade que criou os problemas quer apenas remediá-los com novas intervenções. E ainda consegue a simpatia dos incautos e ingênuos. E também das vítimas.
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Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil. Artigo publicado aqui.