Trancado dentro da “casinha” no Velho Oeste e sendo interrogado por uma garota de 14 anos, Jeff Bridges nem precisou mostrar o rosto para demarcar território em “Bravura Indômita”, dirigido pelos irmãos Coen. O personagem rabugento, ranzinza e isolado, que já foi interpretado por John Wayne, poderia ser reflexo da vida do vencedor do Oscar de Melhor Ator de 2010, mas se há um consenso em Hollywood é que Bridges é o mesmo sujeito bonachão, meio avoado e carismático desde o início de sua carreira. E não restam dúvidas quando ele abre sua carteira para mostrar seu item mais querido: uma foto da esposa, com quem foi fotografado no momento em que levou seu primeiro fora, há 37 anos.
“Estava filmando Rancho Deluxe, em Montana, vi uma garota linda, mesmo com o nariz quebrado e a chamei para sair; ela disse não! Alguém da produção do filme tirou a foto naquele instante. Quinze anos mais tarde, o maquiador me mandou uma carta com a foto”. Bridges carrega o retrato desde então, inclusive quando sobe ao palco para dar vazão a outra paixão, a música, com o lançamento do CD “Be Here Soon”.
Mesmo assim, não se considera um romântico. Pelo menos não no sentido idealizado do termo. “Isso é coisa do meu irmão [o também ator Beau Bridges]! Ele sabe comprar presentes e armar jantares íntimos. Nunca fui bom nisso”, admite Jeff Leon Bridges, aos 61 anos, em entrevista exclusiva ao nosso correspondente.
“Depois daquele primeiro encontro, pensei ‘bem, é uma cidade pequena, talvez a reencontre. A profecia se realizou um tempo depois e a encontrei num bar, dançamos e o resto é história”.
Se falta talento no jantar a luz de velas, sobra em trabalhos icônicos no cinema, coisa de berço, aliás. Filho do falecido Lloyd Bridges – cuja carreira começou nos westerns, mas ganhou notoriedade na TV e especialmente nas comédias – como “Apertem os Cintos O Piloto Sumiu” e “Top Gang: Ases Muito Loucos” – Jeff sempre atuou e cantou, como, por exemplo, no imperdível “Susie e os Baker Boys”. Parando para pensar, o lançamento de um CD próprio até que demorou. “Cantar e tocar violão sempre foram importantes para mim. Mais como um passatempo criativo do que mais nada, mas sempre fiz questão de praticar em público quando o papel pedia. É algo que levanta meu espírito, cara”, conta.
Antes de mais nada, ele é o que se chama de “working actor”, a seleta camada de atores normalmente empregados e capazes de sobreviver às custas de sua atuação. “Muita gente pense que o simples ato de fazer um filme, e o meu nome dos créditos, garante sua exibição, mas a quantidade de coisa boa que acaba sendo lançado diretamente em DVD é imensa. Tínhamos medo de que isso acontecesse com ‘Coração Louco’ [filme que lhe rendeu o Oscar]”, comenta.
“Reconhecimento é importante. Não há sensação melhor, profissionalmente falando. Mas ele só acontece se as pessoas vêem o seu filme!”.
Teoricamente, Bridges não precisaria se preocupar com visibilidade. Filmes como “O Grande Lebowski”, “Tron: Uma Odisséia Eletrônica”, “King Kong”, “Starman: O Homem das Estrelas” e o recente blockbuster “Tron: O Legado” garantiram seu lugar numa Hollywood cada vez mais carente de verdadeiros astros. “Fazer um filme é um compromisso que te leva além da morte, sabe; pois o resultado é algo duradouro”, filosofa.
A barba e os cabelos grisalhos dão força ao momento guru, escutar e aprender é inevitável: “Como falamos em ‘Bravura Indômita’, é preciso saber levar as coisas até o fim, cumprir suas metas. Sei que estou no caminho das minhas, pois quando vejo minha filmografia sinto orgulho pelo que fiz, sinto vontade de assistir àqueles filmes. E minha melhor meta é corresponder às oportunidades que recebo, e aceito. Ganhar Oscar nunca esteve nos planos, mas não quer dizer que nunca tenha pensado nele ou ficado feliz quando ganhei. Estou nessa pelo desafio do trabalho, ainda mais com essa idade toda”.
“Recusei o roteiro de ‘Coração Louco’ na primeira vez que me ofereceram.”
São reflexões de alguém nascido em Los Angeles e imerso no entretenimento desde os primeiros passos. Com mais de 75 filmes e programas de TV na extensa filmografia, Bridges pode não ser romântico, mas tem suas paixões. Susan Bridges, sua esposa, é a maior delas, ao lado dos três filhas, incluindo Jessica Lily, de 27 anos, que foi sua assistente pessoal nas filmagens de “Bravura Indômita”.
“Sempre tento trabalhar com meus amigos e minha família, então, dessa vez pude convidar Jessie para ser meu braço direito”, explica. “Passei tanto tempo longe delas na infância por conta do trabalho e, agora que posso exigir algumas coisas, faço de tudo para ficar com elas. Passamos 12 semanas juntos. Meu Deus, como ela é boa! Fiquei impressionado e como ela é música, também pudemos tocar juntos e curtir aquele tempo”. Cantora, compositora e talentosa no violão, Jessica se apresentou em shows organizados pelo pai em Austin e Santa Fé.
Os Bridges são uma família talentosa em diversos aspectos e a música é um deles. Guitarrista de mão cheia e cantor “que dá para o gasto”, conforme auto-avaliação, Jeff já exibiu seu talento em diversas ocasiões, inclusive no trabalho que lhe rendeu o Oscar, mesclando atuação marcante e boa música. “Recusei o roteiro de ‘Coração Louco’ na primeira vez que me ofereceram, sabe. Não havia música envolvida na primeira idéia e perdeu o sentido para mim, mas foi aí que recebi uma ligação do meu grande amigo T. Bone Burnett, ligou perguntando, pois havia sido convidado também. Quando ele falou que estava pensando em algumas letras e daria para mudar aquela idéia, topei na hora!”. Burnett é produtor de Gregg Allman, Elvis Costelo, John Mellencamp e lançou o último álbum de Willie Nelson, Country Song, além de ter comandado The Union, a impecável parceria entre Elton John e Leon Russell.
“Há uma história magnífica por trás de The Union, pois Russell era ídolo de Elton e ele resolveu apoiá-lo nesse retorno à música. Só de pensar me sinto mais humilde e agradecido a quem me ajudou na vida”.
Burnett e Bridges estreitaram a relação durante as filmagens de “O Portal do Paraíso”, em 1980, um fracasso de bilheterias produzido pela United Arts e dirigido por Michael Cimino. “Confio em T. Bone desde aquela época e sei da qualidade de suas músicas, mas, cara, demora para encontrar a mistura correta e até aprender a cantá-las como se as cantasse minha vida toda foi algo maluco. Fiz isso em 24 dias, cara! Foi insano!”, brinca Bridges, para quem o termo “cara” funciona praticamente como pontuação obrigatória em suas falas. É uma situação paradoxal para essa dupla, envolvida no filme acusado de ter “matado os faroestes no cinema”, mas igualmente vinculada ao sucesso de “Coração Louco” e, no caso de Bridges, o porta-voz do retorno do gênero às telas com o recente “Bravura Indômita”.
“Muita gente reclama de ‘O Portal do Paraíso’, mas ainda bem que estavam errados em dizer que o faroeste tinha morrido, cara”, comenta o ator, coçando levemente a barba. “Clint [Eastwood] ajudou muito o gênero com ‘Os Imperdoáveis’. Faroestes são maravilhosos e sempre brincava de caubói em casa, especialmente quando meu pai voltava das filmagens todo paramentado e eu chamava meus amigos para ver o figurino. Eu ficava brincando com o distintivo e tal. Era mágico, cara!”
Jeff Bridges e os Irmãos Coen
Seguindo o exemplo sempre presente de Lloyd, Jeff incentivou as filhas a explorar seus talentos artísticos pelas mesmas razões do pai. “Ele nunca forçou ninguém ou teve planos de enriquecer às nossas custas, meu pai nunca pensaria nisso. Era apaixonado pela atuação e por tudo envolvido no entretenimento e isso era descarado. Crescemos vendo esse exemplo de devoção e aí ficou meio difícil pensar diferente”.
Entretanto, isso nunca evitou um confronto profissional – existente apenas na cabeça de Jeff – entre ele, o pai e o irmão. “Mesmo assim eu resisti por um tempo. Era aquela rebeldia juvenil, inevitável. E abraçar a idéia foi uma das melhores coisas da minha vida, assim como aprender com seus erros”.
Dono de um rancho em Montana e hábil com cavalos desde Wild Bill, em 1995, Jeff Bridges sempre procurou manter contato com a vida mais natural e tranquila. Praticamente uma aberração em Hollywood, onde o hi-tech e o gadget do momento tem guiado a vida dos famosos. Bridges usa iPod, mas medita pelo menos uma hora por dia! Vê-lo em “Tron: O Legado”, quando o personagem se revela meditando profundamente e tentando manter uma “atitude zen” é o maior retrato dessa figura carismática e intensa.
“Reservar um momento para parar, sentar e ganhar consciência sobre o que acontece à nossa volta é fundamental. Nada daquela história de limpar a mente e tal, na verdade, o objetivo é compreender os pensamentos que saltam durante a meditação e afastá-los, para então poder perceber as coisas maravilhosas à sua volta. Viver nesse turbilhão de idéias pode te aprisionar”, ensina.
Esse pensamento se reflete nas escolhas profissionais de Bridges, que aceitou o trabalho em “Tron: Uma Odisséia Eletrônica” por conta da natureza arrojada da tecnologia envolvida e retornou décadas mais tarde sob a mesma égide.
“Atuamos sem câmeras, cara! É a nova fronteira. O faroeste costumava mostrar isso, mas, falando em atuação, o jogo mudou com essa captura de movimento ou seja lá qual for o nome atual para esse sistema”.
Em “Tron: O Legado”, Bridges se viu rejuvenescido graças à construção de um personagem digital inspirado em seus movimentos, mas com sua fisionomia da década de 80. “Passamos muito tempo da nossa vida esperando por inspiração, às vezes, enchendo a cara ou buscando a perfeição. Quando cai a ficha, você percebe que nossos erros vão nos seguir em qualquer lugar ou sociedade, seja na realidade ou no mundo virtual. Reagir pode ser mais recomendável do que ponderar, assim é a vida”, analisa.
“O mundo está meio esquisito, com novas dinâmicas e necessidades, cara. Precisamos descolar alguns mitos novos, não acha?”, pergunta como se ignorasse a importância de sujeitos como O Cara, de “O Grande Lebowski”, o extraterrestre de “Starman”, o próprio Kevin Flynn, de “Tron”, e o recente Rooster Cogburn, um agente federal bebum em “Bravura Indômita”, cuja primeira versão cinematográfica rendeu o único Oscar a John Wayne, em 1970.
“Fazer um filme é um compromisso que te leva além da morte; pois o resultado é algo duradouro.”
Sua carência mítica poderia ser mais ligada ao mundo real, cada vez mais desprovido de grandes heróis, ainda mais depois da clara insatisfação dos norte-americanos com as dificuldades do governo de Barack Obama. Mas a mente de Bridges, mesmo sem meditar ou fazer cerimônia, estava dedicada a um grande pote de sorvete Häagen-Dazs, um de seus prazeres proibidos. “Esse é meu último pote antes de voltar a controlar o peso. Comi muita porcaria gostosa para engordar nos últimos papéis, especialmente comida salgada para ficar mais inchado. É um barato, mas faz um mal danado! Saca? Adoro esse sorvete!”. Era hora de deixar o hotel beira mar em Santa Monica, enquanto O Cara se despediria do quitute. O pôr-do-sol era, literalmente, coisa de cinema.
O clima de tristeza e melancolia pelo fim da entrevista diz mais respeito à indústria do que à conversa em si. Jeff Bridges curte um momento profissional fantástico, não poderia estar mais feliz com sua família e, mesmo assim, é um sujeito com quem se pode conversar durante horas sem o papo ficar chato ou mecânico. É um ator ainda apaixonado pelo ofício e com opinião própria, algo raro de se encontrar na Hollywood do novo milênio. Ele é fino representante da realeza cinematográfica, mas, pode apostar, alguém esqueceu e dizer isso a ele. Afinal, O Cara aguenta.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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