Se os terapeutas do mundo inteiro tivessem acesso ao Facebook de seus respectivos pacientes, é bem possível que eles fossem rever completamente o exercício da conversa durante suas consultas. E que as sessões de terapia (freudianas, junguianas, lacanianas, gestalt…) criassem novos desafios e, quem sabe, paradigmas.
Naturalmente, estamos supondo que quase todo mundo com acesso a sessões de análise hoje tem uma conta no Facebook e que lá, elas façam exatamente aquilo que a maioria das pessoas faz na rede do menino-Mark: projetam uma versão melhorada de si mesmo criando, sobretudo, uma identidade moldada de acordo com o que querem representar para os outros. Enfim, é tudo aquilo que, nas entrelinhas, você faz em uma sessão de terapia, só que sem aquela coceirinha necessária da auto-reflexão.
TROCAS x DECLARAÇÕES
Em uma coluna publicada esta semana no medium.com, a diretora de Marketing Callie Schweitzer analisa que o compartilhar no Facebook costumava ser sobre “trocas” e hoje esses compartilhamentos viraram “declarações”. E em lugar de “amigos”, o que se tem hoje no Facebook é uma “audiência”.
Ou seja, mais do que aquilo que você “curte” no ~feice~, o que você compartilha para sua audiência diz muito sobre quem você… quer ser (e não exatamente que você é).
Tá, tudo isso parece estar chovendo no molhado, mas existe uma mudança de comportamento importante aí. A diferença entre “troca” e “declarações” é simples:
A primeira significa compartilhar gostos com pessoas que, você sabe, têm interesses semelhantes aos seus e podem conversar e, de fato, “trocar” ideias sobre aquilo de alguma forma.
A segunda pressupõe que você está postando algo não exatamente para dialogar, mas para criar uma imagem emoldurada, que possa ser “curtida” e “compartilhada” pela maior quantidade de gente possível.
Um exercício simples para testar essa hipótese da transição da ‘troca’ pra ‘declaração’:
- Quão neurótico você é com a quantidade de “likes” e compartilhamentos que tem durante o dia?
- Quantos dos posts que você compartilhou durante a última semana foram criados para que um grupo de pessoas (ou mesmo uma só pessoa) te ache bacana?
- E tentando fazer esse cálculo, você realmente consegue fazer essa distinção entre aquilo que é genuinamente seu e aquilo que é pros outros? Ou tudo vira uma coisa só?
O OVO OU A GALINHA?
Essas questões servem como um começo de conversa para as mudanças graduais que o Facebook vem promovendo – e parece que em 2013 tudo vai ser diferente por lá. Há quem diga que o site está deixando de ser uma “rede social” para se transformar em um grande portal de conteúdo. O que explica totalmente esse novo comportamento de deixarmos de ser indivíduos em conversa com amigos para nos transformarmos em “marcas” consumidas por uma audiência heterogênea (que vai da tia que você não vê há anos ao colega de trabalho).
E vira tudo um grande portal alimentado por pessoas-marcas que deixaram de postar coisas que realmente as descrevem, pra postar apenas aquilo que vai ser socialmente aceito e, claro, consumível.
De onde vem outra pergunta: é o Facebook que está se adaptando a essa nossa mutação das pessoas em marcas ou somos nós que estamos nos adaptando ao que a ferramenta nos oferece? É o velho dilema-Tostines: vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?
O podemos supor, por enquanto, é que talvez venha daí a causa da enorme fadiga que as pessoas vêm sentindo em relação ao Facebook: o cansaço de ter que suportar uma imagem incoerente com quem realmente somos.