Hoje em dia, farsantes são capazes de produzir obras de arte falsificadas tão perfeitas que até os melhores especialistas não conseguem perceber a diferença. Mesmo nos mínimos detalhes, como pigmentos e telas, os fakes são terrivelmente próximos dos trabalhos em que se baseiam. Mas, graças a uma consequência da Era Atômica, o mundo da arte encontrou uma importante ferramenta para descobrir obras falsas.
Falsificadores eram bons pra caramba
Desde o começo dos anos 60, o mundo da arte — especialmente o da arte moderna — vem sendo atacado por uma enxurrada de “obras-primas” falsificadas. Peggy Guggenheim (neta do criador do famoso Museu Guggenheim) foi uma das enganadas num dos casos mais famosos, comprando o que se acreditava ser uma tela pintada pelo artista francês Fernand Léger, finalizada em 1913.
Este problema cresceu ainda mais nos anos 80 e 90, com a explosão do mercado de arte moderna. “O número de obras falsas de vanguarda que existem hoje por aí é inacreditável, provavelmente maior que o número de trabalhos genuínos”, diz Elena Basner, curadora de arte do século XX no Museu Russo de São Petersburgo, e também consultora da casa de leilões sueca Bukowskis.
“Eu notei que os farsantes aprenderam de tudo e podiam perfeitamente reproduzir tintas, telas etc. Então, eu resolvi procurar algo confiável nestas pinturas que não pudesse ser questionado, e isto me levou a contatar cientistas para ter mais ideias”, diz Basner.
A bomba e as cinzas nucleares
Vários países explodiram 550 armas nucleares durante testes entre os anos de 1945 e 1963, quando o Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares tornou ilegais todas as detonações sobre o solo. (São 552 se você contar também Hiroshima e Nagasaki.) Um dos efeitos colaterais não previstos desses testes foi o lançamento de dois isótopos totalmente artificiais, que se formam apenas durante uma explosão atômica: o césio-137 e o estrôncio-90.
Estes isótopos foram absorvidos pela terra e incorporados pelas estruturas celulares das plantas. Na verdade, eles foram absorvidos por praticamente tudo: solo, plantas, animais e até pessoas. Tudo que estava vivo entre 1945 e 1963 tem níveis elevados desses isótopos, comparado com tudo que viveu antes dessa época. Esta tendência é conhecida como “pico da bomba”.
Desde a implementação do tratado, a presença destes isótopos no ambiente está caindo para níveis anteriores à Era Atômica, ainda que, com uma meia vida de cerca de 29 anos para ambos, eles devem permanecer no solo pelos próximos séculos. Então quando um pé de linhaça, digamos, cresce em solo contaminado e é processado para virar óleo de linhaça (um agente muito comum de fixação de pigmento), estes isótopos permanecem.
Isto fornece aos cientistas uma marca de tempo facilmente identificável: se o césio-137 e o estrôncio-90 estão presentes, a obra de arte claramente não pode ser de antes de 1945. Isto não quer dizer que a ausência dos isótopos descarte a possibilidade de a obra ser falsa, mas indica que ela foi feita antes dos testes nucleares.
O teste de Basner, que ela desenvolveu com o químico russo e amante de artes de vanguarda Andrey Krusanov, requer apenas que uma minúscula amostra da tela, tirada da borda do quadro, passe por um espectrômetro de massa.
“O linho nos campos absorve estes dois isótopos das cinzas nucleares, e o agente de fixação da produção de tintas é baseado em óleos naturais, como a linhaça”, explica Krusanov. “Não tem como burlar isto. Qualquer pintura a óleo feita na Era Nuclear irá ter traços de césio-137 e estrôncio-90.”
E a pintura de Guggenheim?
É falsa. Usando a técnica da dra. Basner, a peça em questão exibiu níveis de isótopos altamente elevados, que a colocavam em algum lugar entre 1959 e 1962 — quatro anos depois da morte de Léger.
Novamente, isto não quer dizer que uma obra livre de isótopos é genuína: farsantes são famosos por garimpar tintas e telas de outros períodos para confundir métodos de datação por radiacão como este. Mas quando combinado a outros métodos – como fluorescência de raio-X e emissões de partículas induzidas por raio-X – a guerra entre falsificadores e apreciadores da arte chega a um novo nível.
[Physics World – The Art Newspaper – The Conversation]
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