Ed Catmull, presidente da Pixar e da Disney Animation Studios, é reconhecido por suas contribuições na inovação da computação gráfica. Ele almejava um objetivo muito claro: fazer o primeiro longa metragem de animação por computador do mundo.
Não seria fácil, já que a própria tecnologia precisava ser evoluída e aperfeiçoada, mas ele estudou e compartilhou o conhecimento que adquiriu para fazer o segmento se consolidar. Mesmo com os erros que são comuns a quem faz algo novo, o foco o levou a criar a divisão de computação gráfica da Lucasfilm que, anos depois, foi comprada por Steve Jobs e virou a Pixar. Com o caminho livre, a empresa foi responsável pelo marco na história do cinema que foi o filme “Toy Story” (1995).
Depois de anos no campo técnico, e já tendo realizado seu sonho com a produção de “Toy Story”, Ed Catmull abraçou de vez o cargo de presidente da companhia e dedicou os anos seguintes a sustentar a cultura criativa presente na Pixar. Sua rotina exigia muita atenção para observar problemas externos que pudessem atacar essa cultura, e blindá-la para que jamais fosse abatida. “Criatividade S.A.” – recentemente indicado pelo Cris Dias no Qual É a Boa? – é um livro incrível que reúne os esforços, sucessos, falhas e lições que Ed Catmull aprendeu ao longo do caminho.
Livro reúne os esforços, sucessos, falhas e lições que Ed Catmull aprendeu ao longo do caminho
Misto de biografia e lições de empreendedorismo, a obra se diferencia dos demais livros de negócios por ser ligado à empresas que dependem da criatividade para se manter. Escrito em parceria com a jornalista Amy Wallace, Ed Catmull expõe sua história de forma honesta e comenta sobre as escolhas que o tornaram um líder na indústria criativa.
Compartilhando ideias para garantir a evolução
Dois momentos de “Criatividade S.A.”, em especial, me chamaram a atenção por ilustrarem como o compartilhamento de ideias pode contribuir com a inovação.
“Um problema difícil é melhor solucionado quando várias mentes excelentes trabalham nele”
Em 1974, Ed foi contratado pelo Instituto de Tecnologia de Nova York para coordenar um laboratório que desenvolveria animações. Enquanto todos os profissionais da área tentavam ser os primeiros a realizar algum feito, Catmull e seu colega tornaram públicos seus estudos sobre computação gráfica. A percepção era que todos estavam tão longe de fazer algo concreto, que ocultar ideias só prejudicaria a evolução do segmento. Disponibilizando esse conhecimento, toda a comunidade se beneficiaria do avanço e contribuiria para que a arte evoluísse. E isso aconteceu.
Alguns anos depois, ele recebeu o convite de George Lucas para criar a área de computação da Lucasfilm. Em sua entrevista de emprego, quando perguntado sobre quem mais o estúdio poderia considerar para a vaga aberta, Catmull citou diversos nomes de pessoas que estavam fazendo um bom trabalho na área técnica. Sua honestidade e visão de inovação fizeram com que ele ganhasse a vaga e, tempos depois, ele descobriu que a Lucasfilm já havia entrevistado todas as pessoas citadas, mas nenhuma delas respondeu a pergunta de forma franca.
Uma vez na Lucasfilm, Catmull virou vice-presidente da divisão que criou. No entanto, os altos custos do departamento fizeram com que Lucas procurasse potenciais compradores. Até que Steve Jobs, recém chutado da Apple, investiu 5 milhões de dólares na empresa e deu início à Pixar. Inicialmente uma empresa que vendia computadores de design gráfico e produzia algumas animações publicitárias, Jobs fechou, em 1991, um acordo com a Disney para produzir três filmes animados. E é nesse momento que o estúdio que nós conhecemos realmente nasce.
Na visão de Ed Catmull, um problema difícil é melhor solucionado quando várias mentes excelentes trabalham nele. Então, diante de um desafio, seja inteligente.
O Banco de Cérebros
Outro capítulo especial de “Criatividade S.A.” é dedicado ao Banco de Cérebros, uma equipe formada por membros altamente qualificados de criação da Pixar que se reúnem para conversar sobre as produções em andamento.
A paixão expressa numa reunião nunca deve ser levada a nível pessoal quando ela é dirigida para a solução de problemas
Um estatístico, conhecido por seus processos de controle de qualidade, certa vez introduziu um conceito de produtividade dizendo que a responsabilidade de encontrar e corrigir problemas deveria estar com qualquer funcionário, em qualquer nível da empresa. Qualquer pessoa que identificasse um problema deveria ser encorajado a parar a produção e corrigi-lo. O Banco de Cérebros faz isso.
Um diretor pode defender a criação do melhor filme do mundo, mas é natural que enfrente problemas para desenvolver a ideia. E aqui entra o Banco de Cérebros. Ele está ali para fazer suas críticas construtivas e ajudar a diagnosticar o problema, para que o responsável possa trabalhar na melhor solução.
De maneira sincera e inteligente, todos são convidados a falarem abertamente sobre suas sugestões. A paixão expressa numa reunião nunca foi levada a nível pessoal porque todos sabiam que ela era dirigida para a solução de problemas. E a sinceridade, dentro da Pixar, supera hierarquias.
Ed Catmull dá um exemplo muito legal para ilustrar as reuniões. No filme “Os Incríveis”, há uma cena em que Roberto Pêra está brigando com sua esposa, e a cena pareceu completamente errada a todos os presentes, pois o personagem era enorme, e sua esposa, magrinha e baixinha. Parecia que ele poderia agredi-la a qualquer momento e essa impressão precisava ser mudada. Depois de analisar a cena, a equipe não mudou o diálogo, mas a cena. Durante a discussão, a Mulher Elástica usa seus poderes e se estica, ficando maior do que o marido, equilibrando a situação. Isso mudou tudo.
Vale a pena?
É fascinante conhecer as histórias por trás de grandes projetos do estúdio. Ed nos coloca à par das dificuldades de produzir o primeiro filme da companhia, os erros cometidos na continuação de “Toy Story”, o esboço original de “Up! Altas Aventuras”, as versões do final de “Wall-E”, os projetos que morreram e nunca vieram à público, sempre com uma contribuição valiosa, que alterna entre problemas e soluções encontradas, uma forma de apresentar conselhos aos leitores.
“Criatividade S.A.” cativa o leitor ao unir negócios e inovação, fugindo da mera auto-ajuda corporativa
Com o uso de exemplos reais da Pixar e também de casos pessoais e pontuais, Ed Catmull esbanja dinâmica na forma como compartilha suas descobertas para, assim como ele já havia feito antes, fazer com que outras pessoas se beneficiem de sua história e evoluam com ela.
Em determinado momento do livro, o presidente da Pixar confessa que, nos primeiros dias da empresa (quando ele não sabia o quanto cobrar pelos seus computadores e como montar a própria equipe), se rendeu a diversos livros de negócios com frases como “não ouse falhar”, “siga as pessoas e elas irão segui-lo” e tantos outros clichês que não davam nenhum senso de direção a quem os lia.
“Criatividade S.A.” não comete essa gafe. Há frases inspiradoras, sim, e ideias que dependem de crença e coragem para serem colocadas em prática, mas o livro traz muitas sugestões do que fazer para manter uma cultura saudável na sua empresa. Criatividade S.A. cativa o leitor ao unir negócios e inovação, e se você for líder, colaborador ou apenas um fã de cinema, certamente vai tirar algo de valioso dessa história. É só adaptar ao seu universo e focar no seu objetivo. Foi isso que Ed fez.
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FICHA TÉCNICA
Título: CRIATIVIDADE S.A.
Autor: Ed Catmull & Amy Wallace
Tradução: Nivaldo Montingelli Jr.
Editora: Rocco
Páginas: 320
Raquel Moritz é publicitária e assinou o próprio nome na sola do seu Buzz Lightyear de brinquedo. Autora do blog Pipoca Musical e co-criadora do projeto Vórtice Fantástico.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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