Felipe Cotta é redator em horário comercial, músico nas horas vagas, apaixonado full-time. Você pode encontrá-lo no A Day in The Life ou no twitter.
Ter paixão por alguma coisa é um sentimento que pode ajudar você a fazer milagres. Seja na vida pessoal, seja no trabalho, seja num projeto paralelo, seja numa receita de bolo. Quando você se entrega de corpo e alma ao que faz, você é capaz de transformar o seu mundo. Algumas pessoas, com a dose certa de destino e sorte, conseguem entrar para a história.
Às vezes a gente vive tempos difíceis na agência, em casa, onde quer que a gente esteja, e nos falta inspiração pra levantar de manhã e encarar o trânsito, os jobs, a pressão, as cobranças, a correria. E, pegando carona no post jazzístico do Saulo de sexta-feira, busquei inspiração num dos maiores símbolos do estilo. Espero que a história sirva para inspirar você logo no começo de mais uma semana longa que vem por aí.
Billie Holiday se tornou única porque ensinou ao mundo – e às outras cantoras – como é que se cantava com o coração. E, tendo ganhado de Deus uma voz absolutamente inconfundível, ela se entregou de paixão ao jazz e foi por ele eternizada. Dona de uma vida totalmente sofrida e conturbada, nasceu de um pai de quinze anos e de uma mãe de treze. Negra e pobre, teve que comer o pão que o diabo amassou para conseguir sobreviver e chegar aonde chegou. Longe da escola, foi forçada a prostituir-se aos 14 anos para conseguir ajudar sua mãe a pagar as despesas.
Ainda sem dinheiro suficiente, Billie e sua mãe foram ameaçadas de despejo por falta de pagamento do aluguel de sua casa. Então, desesperada, saiu às ruas em busca de alguma salvação. Durante suas andanças por Nova York, encontrou um bar de jazz que estava procurando dançarinas. Entrou e se candidatou à vaga, sem sucesso.
Entretanto, enquanto mostrava suas inabilidades com o corpo, Billie deixou escapar para um dos pianistas um pouquinho de sua voz. E isso lhe garantiu um emprego fixo no bar, como cantora. Alguns meses depois, ela foi descoberta por um crítico de música que a levou para gravar um disco com ninguém menos que Benny Goodman (um dos mais importantes nomes do jazz daquela época).
E o resto é história. Lady Day (como a apelidaram os fãs) conquistou as pessoas pela comoção com a qual cantava, pela paixão com a qual se entregava à musica, e virou celebridade. Cantou com Duke Ellington, Teddy Wilson, Count Basie e – claro – Louis Armstrong.
Algum tempo depois, iniciou a fase mais antológica de sua carreira quando firmou a parceira com o pianista Lester Young, muito bem descrita por um crítico da época como sendo “uma nova forma de poesia amorosa entre a voz humana e o instrumento musical”.
E assim ela foi construindo um dos maiores legados do jazz, gravando discos antológicos e históricos como “Lady in Satin” e “All Or Nothing At All”.
Mas para mim, o disco que melhor sintetiza a paixão de Billie por cantar e reflete na sua voz toda a trajetória de sua vida é “Songs For Distingue Lovers”. Um dos últimos de sua carreira, ele mostra uma cantora calejada, com a voz enfurecida e ainda poderosa, brilhante como nos áureos tempos e melancólica como nunca. É uma emocionante obra-prima do jazz, com poucas – porém mágicas – canções.
Atenção especial para “Day In Day Out” , “Stars Fell On Alabama” e “Just One Of Those Things”, que casam a perfeição vocal de Billie Holiday com a precisão da banda impecável (que tinha até Ben Webster na formação, outra lenda do jazz).
Recomendo esse disco até pra quem não gosta muito de jazz. Afinal, ele não é um apenas um disco de jazz. Esse disco é uma das mais sublimes e legítimas manifestações de arte feita com paixão e entrega. E é, com certeza, um dos motivos pelos quais as pessoas falam de Billie Holiday até hoje, mais de 50 anos após a sua morte.
“Songs For Distingué Lovers” é um presente da música para a humanidade, e para os que têm a sorte de usá-lo como fonte de inspiração. Aumente o volume e bom trabalho.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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