A tirinha abaixo, do Geek & Poke, ilustra muito bem o caminho que praticamente todo software traça, do nascimento até a obsolescência. Seja pela demanda do mercado, seja apenas para justificar uma nova versão, recursos são enxertados onde não é preciso, transformando pequenas pérolas em forma de código-fonte compilado em coisas boçais, grandes e lentas.
É o que aconteceu com alguns sistemas de blogs, como o WordPress.
Do Blogger ao WordPress
No começo da década passada o Blogger, então da Pyra Labs, deu início a uma revolução na informação. Ele se confunde com o próprio conceito de blog, que na definição clássica (e engessada) se apresenta como uma página com atualizações regulares dispostas em ordem cronológica inversa. De repente qualquer pessoa sem conhecimento algum de programação, banco de dados e Internet podia escrever o que quisesse e publicar na web. Receitas da vovó? Pode. Poesias que só fazem sentido para o autor? Sem problemas. Um diário virtual? Problema é teu, vá em frente. Não havia barreiras, o serviço era gratuito e não regulava a qualidade do material que as pessoas colocavam ali.
Dois anos depois da aparição do Blogger, o Movable Type surgiu como uma alternativa mais robusta, sendo a evolução óbvia para quem levava o blog um tiquinho mais a sério. O MT exigia um servidor, a configuração inicial era mais complicada, mas a plataforma, muito mais flexível e robusta. O sistema da SixApart dominou o mercado até que mudanças esquisitas na sua licença, combinadas a uma nova versão paga, geraram uma debandada dos usuários.
Próxima parada? WordPress.
O WordPress, sistema open source que é tocado pela Automattic, de Matt Mullenweg, é a perfeita encarnação da tirinha acima. Começou humilde, um simples sistema para gerenciar blogs. Cresceu. Muito. Ao longo dos últimos anos ganhou inúmeros recursos, muitos deles de bastidores e voltados a programadores. A comunidade em torno do sistema também explodiu em popularidade. Há farta oferta de plugins, temas, profissionais, apaixonados que gostam de ajudar e soluções feitas para o WordPress.
A praticidade do WordPress atingiu tal nível que seria quase um crime tachá-lo de “sistema de blogs”. Ele continua servindo a seu propósito inicial, mas vai muito além disso. De sites institucionais a grandes portais, dá para fazer praticamente qualquer coisa com o WordPress. Há ferramentas e flexibilidade no sistema-base para tanto. Se por um lado todo esse poder facilita na hora de desenvolver um novo site, por outro deixa as pessoas “preguiçosas”.
Quando o WordPress é um exagero
Para muito do que se usa o WordPress hoje, o sistema é um exagero. É como matar uma barata com uma bazuca. Funciona, mas era realmente necessário dispender tanta energia, gasto e recursos para uma tarefa tão simples? A oferta de soluções fáceis, que se resolvem arrastando coisas pela tela, deixa tudo pior do ponto de vista técnico. Quantos sites não negligenciam o (eficiente) sistema de galerias nativo do WordPress em prol de plugins de galeria mirabolantes? Ou deixam de usar funções nativas, como taxonomia, query posts e outras coisas mais técnicas, dando preferência a plugins que fazem as mesmas coisas, mas de maneira mais fácil? Falta usar a totalidade do WordPress — se você se interessar por esse assunto, esta palestra do Seu Felipe é mais que recomendada.
Não dá para culpar todo mundo que tem um blog de cometer esses pecados no WordPress. Muita gente só escreve, não é programador. Não sabe mexer com PHP, usar hooks, criar funções. (Mas se você se diz desenvolvedor e está nesse pé, aí você não tem desculpa. Vai estudar, rapaz!)
Para piorar, mesmo no básico o WordPress exige muito de quem cuida do blog. As atualizações são simples, mas há dependências entre o sistema (“core”), os temas e os plugins e às vezes as coisas não saem como o esperado. É preciso cuidar da questão do desempenho também, o eterno calcanhar de Aquiles do sistema, totalmente dinâmico se não tiver um plugin de cache instalado. Aquele monte de ferramentas e opções são intimidadoras e tornam a interface de redação, que deveria ser tranquila e “clutter-free”, em um ambiente claustrofóbico.
O WordPress é “overkill”. Tem muito mais do que a maioria dos blogueiros precisa e esse excesso, além de não agregar, pode atrapalhar.
Por alternativas mais simples
Não por acaso, uma nova onda de CMSs, abreviatura de Content Management System, está surgindo. Mais simples, focados em blogs, servindo arquivos estáticos e com interfaces limpas, algumas até inexistentes, eles vão na direção oposta à do WordPress. Não são piores, nem melhores, mas mais simples, mais diretos.
Simples, aqui, não é sinônimo de fácil. A maior parte desses sistemas confia em soluções como GitHub, Ruby, Heroku, Python e outras palavrinhas que, para quem não desenvolve, são grego. Para quem entende, é extremamente fácil – um deles, o Toto, se orgulha de poder ser configurado em “10 segundos”. E há gente mais hardcore, como aqueles que fazem o seu próprio CMS. Marco Arment, criador do Instapaper, é um desses. A explicação dele, porém, é bem convincente.
Todo esse esforço traz benefícios. Não é preciso se preocupar com manutenção. As páginas, servidas em arquivos estáticos, consomem bem menos recursos e aguentam picos de acesso sem exigir uma infraestrutura cara. A única preocupação, estando tudo configurado e rodando, é escrever – e essa deveria ser a meta de qualquer ferramenta de publicação.
Muita gente vem notando essa tendência de mudança nos sistemas de blogs. No começo do mês, Eduardo “eduf” Fernandes, que usa o Jekkyl em seu blog, escreveu:
“Tenho a impressão de que começamos a assistir a uma mudança de paradigma no mundo dos CMS. Mudam a filosofia de publicação (automatização de meta-dados, ênfase em multiplataformas), os estilos de interface e até os modelos de negócios.”
Matt Harzewski, no Webmaster-Source:
“Algo que venho notando recentemente é que alguns blogueiros estão voltando ao passado, usando sistemas de páginas estáticas modernos que são ainda mais simples. Jekyll, Hyde, Pelican e Toto são aplicações de blogagem levíssimas escritas em Ruby e Python. Elas não usam banco de dados, em vez disso dão preferência a arquivos simples verificados em um repositório Git. Você escreve seus posts em seu editor de textos preferido, nomeia o arquivo apropriadamente e o manda para o repositório, e então roda um script a partir da linha de comando. Ele varre os arquivos, se funde com o seu tema e devolve arquivos HTML estáticos.”
Vamos conhecer essa nova leva de sistemas para blogs.
As melhores alternativas ao WordPress
Caso você não manje nada de programação, talvez o mais apelativo dessa nova safra seja o Squarespace. Ele não é exatamente novo, já está na sexta versão, e é bem menos geek que todos os já comentados aqui. Não é preciso instalar nada; em vez disso, você se cadastra e assina um plano – há dois, começando em US$ 8/mês.
A grande sacada? É tudo de muito, mas de muito bom gosto. Os temas oferecidos abordam diferentes necessidades (blogs, página pessoal, site institucional, portifólio), são totalmente modificáveis, há uma infinidade de opções e a inserção de conteúdo é feita em um painel elegante e cheio de recursos. É tão bonito que que o próprio sistema funciona como um catalisador na vontade de escrever – você pode estar sem assunto, mas aquele painel de edição te chama para isso.
Na linha mais tradicional, e ambos baseados no GitHub, aparecem os já citados Jekkyl e Toto. Eles funcionam basicamente da forma descrita acima por Matt Harzewski: o conteúdo é escrito em arquivos de texto simples, geralmente usando Markdown ou alguma outra linguagem de marcação parecida, processados pelo GitHub e, depois disso, transformados em arquivos estáticos que foram combinados com o template base do site. Na prática é um tiquinho mais complicado que isso, eles carecem de alguns recursos que plataformas mais mainstream, como sistema de comentários e alguns facilitadores no gerenciamento.
Além disso, há várias soluções que estão nascendo: algumas nem chegaram ao mercado ainda, casos do Blocks e do Koken.
O Blocks é promissor por uma única característica: a extensibilidade. Do (sugestivo) post “O que é o Blocks?”:
“Percebemos que cada site é diferente e e tem diferentes requisitos de conteúdo. Então, logo de cara, nós oferecemos o mínimo de campos relacionados a conteúdo – títulos para os posts, nome e sobrenome para usuários etc. Além disso, a escolha é sua.”
Em termos mais simples, ele pega toda a complexa parte de taxonomia do WordPress e transforma em algo maleável. O sistema-base será gratuito, mas haverá “pacotes estratégicos” pagos para suprir a demanda na medida que um site cresce. São eles: “publicações pro”, com versionamento, revisões, rascunhos e múltiplas seções; “usuários”, para blogs com múltiplos usuários; “cloud”, que dá suporte aos serviços na nuvem da Amazon e concorrentes; e “rebrand”, que permite reconfigurar o branding do sistema para uma agência ou cliente. Todos esses são pagos. E, desde o início, tem-se acesso à API, criação de plugins e outros mecanismos que estendem as funções e, mais do que isso, adaptam o sistema ao conteúdo do site em questão. O Blocks está previsto para entrar em beta público no começo de 2013.
Já o Koken tem um apelo mais visual. Outro que ainda não está pronto, ele é indicado para fotógrafos, designers, artistas e “fazedores” (pessoas DIY). Parece, pois, uma poderosa ferramenta para criar portifólios – há uma visível atenção para conteúdo em imagem, uma lacuna deixada pelo Flickr que, embora o 500px esteja aí, é capaz de fazer muito fotógrafo repensar a ideia de terceirizar a apresentação do seu trabalho.
Por fim, o Statamic. A licença para uso pessoal sai por US$ 19, valor meio salgado. Ele é todo baseado em arquivos de texto e templates, num sistema relativamente simples de entender e implementar — há um vídeo e documentação farta explicando como a coisa funciona. O painel é elegante e responsivo, e há saídas bem avançadas para quem mexe com desenvolvimento.
Algo mais fácil, talvez?
Nem todo mundo é entendido o suficiente para se embrenhar no GitHub e sair de lá com um sistema de blog, ou tem US$ 8 sobrando para dedicar a um passatempo despretensioso. Mesmo para esses há alternativas válidas ao WordPress.
- O próprio Blogger, que apesar do estigma e do back-end atrasadíssimo, funciona;
- O Tumblr, que tem mais cara de rede social do que de blog, mas serve a esse propósito sem dificuldade alguma (somos fãs aqui no Giz; eu, Pedro e Felipe temos os nossos);
- O Posterous, que apesar de ter mudado muito o foco e sido comprado pelo Twitter, ainda faz as vezes de blog;
- O WordPress.com, que é gratuito, baseado na web (ou seja, sem dor de cabeça com servidor, plugins e temas) e deixa de fora muitos aspectos que tornam o WordPress tradicional complicado;
- O tradicional TypePad, que é pago, mas promete facilidade no gerenciamento do blog e um time de suporte sempre de prontidão para ajudá-lo;
- Outro jurássico, o LiveJournal tem uma pegada mais pessoal, mas não deixa de ser uma opção.
O que não falta atualmente são opções para publicar na web. Leitores, ânimo, motivação, talvez; mas ferramentas, gratuitas e pagas, boas e ruins, sobram.
Este é só o começo
As necessidades mudam com o tempo, tendências aparecem e somem depois de alguns anos, a publicação web ainda desbrava as possibilidades que o hyper text oferece. Tem tanta coisa legal surgindo, dos layouts incríveis dos reviews do The Verge e Polygon, passando por páginas pessoais experimentais e um universo de coisas que a gente ainda não viu (este aqui é um bom ponto de partida)…
E do ponto de vista técnico as demandas e tecnologias à disposição também evoluem e, em certos pontos, como a moda, são cíclicas. Em 2002 blogs com páginas estáticas eram assim porque… bem, porque havia essa mentalidade e era o que se tinha. Hoje, eles estão voltando por uma questão de tráfego e recursos.
Eu não sei como será o blog ideal de amanhã. Nem o de hoje está claro para mim. Esse formato e, de modo geral, a web, abrem possibilidades infinitas para se transmitir mensagens. Isso é especial e, de certa forma, o que permite e motiva a criação de sistemas pequenos, de nicho, que poucos usarão; como esses acima. Abraçar essas possibilidades e explorá-las é algo bem sensacional.