O Marco Civil da Internet (PL 2126/11) é um projeto discutido no país desde 2009, e está cada vez mais pronto para se tornar uma lei. Mas o que é o Marco Civil, quais direitos ele garante, e o que ele exige dos provedores e do governo? O Giz explica.
O texto completo do Marco Civil, junto à discussão e evolução do projeto, está neste link bem aqui.
O Marco Civil é um projeto de lei para garantir direitos e deveres na internet brasileira…
O Marco Civil é uma espécie de Constituição para a internet brasileira: ela define princípios básicos a serem seguidos, e cria um alicerce para leis mais específicas. O projeto de lei define princípios para usuários, empresas e governo. Como diz ao G1 o especialista em direito digital Marcio Cots, “ele regula as questões básicas da internet. Ele vem fazer uma fundação, para depois haver a criação de projetos específicos”.
O que muda? Com o Marco Civil, as empresas – como provedores de acesso e grandes sites – têm regras mais claras a seguir. Por exemplo, o Google não seria mais responsável por conteúdo que seus usuários postam no Orkut. E o governo torna-se obrigado a garantir para você direitos como privacidade e neutralidade de rede: isso pode ser o fim do traffic shaping, ou de provedores que espionem seu histórico de navegação.
Há três pontos principais no Marco Civil: a neutralidade de rede; a privacidade online; e a responsabilidade por conteúdo.
…que quer proteger a neutralidade de rede…
O artigo 9 do Marco Civil define a neutralidade de rede. Ela significa que provedores não têm o direito de privilegiar o tráfego de certos conteúdos na rede. Isso poderia acabar com o traffic shaping no país. Sabe quando todo site parece carregar rápido, exceto por exemplo o YouTube? É porque seu provedor está limitando a velocidade do YouTube, já que ele consome muita banda. Com a neutralidade de rede, isso não pode ocorrer – nada de traffic shaping. E isto valeria para todo mundo: provedores de acesso, serviços Wi-Fi e conexões 3G. A única exceção seria devido a restrições técnicas e emergenciais, que seriam avaliadas pela Anatel.
O ponto, obviamente, é polêmico. O diretor executivo do SindiTelebrasil, Eduardo Levy, ficou contra: ele sugere que a privilegiar o tráfego de certos conteúdos pode melhorar a qualidade do serviço. Ele cita como exemplo o VoIP, que deveria ter prioridade acima do e-mail: “os serviços de voz precisam passar na frente para chegarem em tempo real, enquanto um simples e-mail pode atrasar alguns segundos”, diz ele ao Estadão. Levy também diz que a neutralidade deveria ser mais flexível, levando em conta que os provedores precisam lidar com gargalos.
Flexibilizar demais a neutralidade de rede pode prejudicar sites de vídeo online (como YouTube e Netflix) ou mesmo o BitTorrent. E ainda há o conflito de interesses: muitas provedoras de internet também vendem TV por assinatura, e não querem você vendo vídeo na internet, ou baixando filmes e séries de graça por torrent. Que comece o cabo-de-guerra entre usuários e operadoras.
…quer proteger sua privacidade…
O Marco Civil proíbe os provedores de guardar um log com os sites que você visita. Ou seja, por lei, só você teria o seu histórico de internet. É uma boa notícia para a privacidade.
Para serviços online, como Facebook e Google, a regra é um pouco diferente: eles só podem guardar os sites que você visitou se você deixar. Mas o artigo da lei é redigido de forma bem ampla, e não restringe por domínio. Por exemplo, nada impede que o Facebook fique de olho em sites que não sejam facebook.com, por exemplo (isso já aconteceu). Os artigos 10 a 13 são relativamente enxutos, mas é necessário continuar sua discussão.
O Marco Civil também prevê que provedores de internet devem armazenar o seu registro de conexão por um ano, e divulgá-los apenas por ordem judicial. Registro de conexão, segundo o projeto de lei, é apenas quando você usou a internet, e por qual IP – nada de quais sites você visitou. A ideia, segundo o projeto, é “contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial”. Não acreditamos que isso seja um problema para a privacidade.
…e isenta serviços pelo conteúdo postado pelos usuários…
O Marco Civil estabelece, nos artigos 14 a 16, que serviços online não podem responder por infrações cometidas por seus usuários. Por exemplo, o Google não seria responsável por conteúdo ofensivo no Orkut, ou por violações de direito autoral no YouTube. Isso é importante para criar um “porto seguro” (safe harbor) para os sites, como já existe nos EUA. Se o Google fosse o responsável, seria inviável manter os sites da empresa no Brasil: eles teriam que analisar cada link, vídeo e postagem que recebem.
Isto significa o fim dos processos contra o Google por difamação no Orkut, por exemplo? Provavelmente, ainda não. O Marco Civil prevê que o serviço online é, sim, o responsável caso a vítima obtenha uma ordem judicial para remover o conteúdo. Se o site não remover o conteúdo, ele pode ser punido.
Mas o projeto de lei quer reduzir brigas judiciais entre empresas, através da autorregulação. O Marco Civil dá a liberdade para as empresas fazerem acordos entre si, evitando assim os tribunais. Segundo o Estadão, isto foi proposto por entidades da indústria fonográfica brasileira, e “pode abrir margem para a suspensão de conteúdos que infringem direitos autorais sem nenhum tipo de controle judicial”. Isso pode ser um problema, já que a ideia de criar o porto seguro é “assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura” – e não estimulá-la.
…mas apesar de não cobrir todo aspecto da internet brasileira…
Tão importante como saber o que é o Marco Civil, é saber o que ele não é. Ficam de fora do Marco Civil duas questões bastante importantes: a definição de crimes digitais; e as leis para direito autoral na internet. Estes assuntos mais específicos serão regulados por outras leis: por exemplo, o PL 2793/11, a versão enxuta e melhor da Lei Azeredo.
Outros aspectos da internet brasileira, como regras para provedores de acesso, também não fazem parte do Marco Civil: no caso, a Anatel já estabelece regras e fiscaliza provedores.
…ele ainda tem um longo caminho a percorrer.
O Marco Civil da Internet começou a ser discutido há anos. O Ministério da Justiça apresentou um texto-base em 2009, e o projeto entrou em consulta pública no ano seguinte. Ele foi enviado ao Executivo, mas ficou parado até agosto de 2011, quando a presidente Dilma Rousseff o enviou para deputados. Criou-se uma comissão especial para discutir o projeto, que apresentou seu parecer final na semana passada.
O Marco Civil seria votado pela Câmara dos Deputados nesta semana, porém foi adiado. Ele deve voltar à pauta somente em agosto, quando acaba o recesso parlamentar. E mesmo então, pode ser adiado de novo e perder prioridade, devido às das eleições.
Ele deve demorar a virar realidade. O texto aprovado seguiria para votação na própria Câmara ou em outra comissão, como a de Constituição e Justiça. Depois, ainda irá ao Senado para então – caso aprovado – chegar às mãos da presidente, que pode promulgá-lo ou vetá-lo. A expectativa mais otimista é que o Marco Civil seja discutido pelo Senado em 2013.
[Marco Civil via Estadão, G1 e Tecnoblog]