Rocinha, “Maior comunidade das Américas”, no Rio de Janeiro
No mundo, aproximadamente um bilhão de pessoas moram em assentamentos informais. A precariedade das condições de habitação de muitos já foi retratada no B9, quando o Saulo nos falou de um cemitério superpovoado – por vivos.
Diante desse cenário, uma exposição – “Design with the other 90%: Cities” (há um livro homônimo) – pretende apresentar os esforços mobilizados para interferir nessa situação. Apresentada nos corredores do prédio das Nações Unidas (cujo projeto teve participação do Niemeyer) entre outubro do ano passado e janeiro desse ano, atualmente está disponível para ser exibida na instituição que contatar os organizadores.
A mostra tem como mote seis temas: Trocar, Revelar, Adaptar, Incluir, Prosperar e Acessar. Visitando seu site, na seção “Soluções/Prosperar”, me deparei com algo familiar: A luminária “Cristal de Luz”.
Luminária Cristal de Luz “Lakshimi” (“Deusa da Prosperidade”)
Podemos parar pra pensar na discrepância entre as “nossas residências” e as moradias de 1 bilhão de outras pessoas
Descobri então que essa peça é um dos produtos da COPPA-ROCA – associação de mulheres moradoras da Rocinha (Rio de Janeiro). Foi olhar a foto e me lembrar de “Cruel”, o penúltimo espetáculo de dança produzido pela também carioca Deborah Colker.
Se espetáculo e exposição nos colocam a refletir sobre a crueldade das ações humanas e assim podemos parar pra pensar na discrepância entre as “nossas residências” e as moradias de 1 bilhão de outras pessoas, também podemos concluir: não há apenas com que se lamuriar, existem soluções exequíveis.
A existência de soluções, talvez não seja uma novidade tão grande. Mas muitas vezes elas ficam condicionadas a apresentação no meio acadêmico. Na televisão e outros meios de comunicação tradicional e de massa, é mais fácil encontrarmos divulgada a violência e a pobreza como situações aparentemente imutáveis, ao invés dos exemplos de mudança e orgulho.
Muitos se enganam ao pensar que os moradores dos assentamentos informais não possuem identificação e vínculo sentimental com o território urbano que ocupam.
Pensar na remoção como primeira alternativa denota falta de sensibilidade para com essa parcela da sociedade. Por que não pensarmos em como colaborar para a criação de espacialidades saudáveis e seguras nos lugares já apropriados/conquistados?
O site apresenta quase 20 soluções, das quais 4 aconteceram em solo brasileiro: Reurbanização de Diadema (Diadema-SP), Urban Mining (São Paulo-SP), Cristal de Luz (Rio de Janeiro-RJ), Favela Painting Project (Rio de Janeiro-RJ) (projeto que eu já conhecia, pois além de já ter circulado notícia dele pela internet, recebeu atenção especial da mídia tradicional). Através dessas estão representadas grandes comunidades brasileiras: Santa Marta e Rocinha no Rio de Janeiro, Heliópolis e uma série de comunidades de Diadema em São Paulo.
De fato é um recorte pequeno, focado apenas no sudeste, e isso não é à toa. Alguns fatos me chamaram a atenção: o interesse de estrangeiros em atuarem por aqui – como é o caso do projeto Urban Mining, o qual teve apoio de pesquisadores da universidade ETH Zürich; e do Favela Painting, o qual é uma intervenção de uma dupla de artistas holandeses – e a participação dos moradores nas intervenções. Característica que parece ser comum a todos os projetos.
Particularmente, a ideia que mais me atraiu foi o trabalho feito em Heliópolis: produção de módulos construtivos através da reciclagem de “lixo”. Atende aos princípios da sustentabilidade (e parece ser eficaz) e da inclusão social, além de algo muito significativo: respeita a estética e os hábitos de construção vernaculares.
“Como todas as sociedades estão divididas em classes, castas, etnias, nações, religiões e outras confrontações, é absurdo afirmar a existência de uma só estética que a todos contemple com suas regras, leis e paradigmas: existem muitas estéticas, todas de igual valor, quando têm valor”, Augusto Boal
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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