Para auxiliar os profissionais que atuam em meios digitais, especialmente com redes sociais, o Interactive Adverstising Bureau (IAB Brasil) desenvolveu, por meio de seu comitê de social media, um material exclusivo para esclarecer os pontos da Portaria 422/13, publicada dia 18 de julho de 2013 pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega. Com a intenção de identificar “hipóteses de comprometimento do caráter exclusivamente artístico, cultural, desportivo ou recreativo de concurso destinado à distribuição gratuita de prêmios”, a portaria acabou gerando diversas dúvidas entre os profissionais e empresas que atuam com meios digitais.
Com auxilio da advogada especializada em direito digital Flávia Penido, o material foi produzido no formato de perguntas e respostas, para facilitar o entendimento, a identificação das dúvidas e indicar de que forma as mudanças afetam os trabalhos realizados. Confira abaixo:
1. O que mudou com a publicação desta portaria?
Na verdade, não houve mudança alguma, apenas um detalhamento do que a Lei 5768/71 já dispunha quanto a concursos. A Portaria não criou nenhuma inovação, e nem poderia fazê-lo, pois isso seria ilegal. O que ela fez foi detalhar em quais condições um concurso pode ser considerado exclusivamente cultural e quando ele é um mero concurso, modalidade de promoção comercial.
Tanto isso é verdade que no site da Secretaria de Acompanhamento Econômico já havia algumas explicações sobre o concurso exclusivamente cultural em moldes muito parecidos com os termos da Portaria. Um ponto que pode ser visto como tendo ido além dos poderes conferidos ao Ministro Mantega é o de determinar que concursos culturais não possam ser feitos nas redes sociais. A lei não menciona isso em qualquer momento. Esse ponto pode ser discutido judicialmente, mas apenas por aqueles que estiverem realmente promovendo um concurso exclusivamente cultural, cumprindo as demais regras e não uma promoção comercial travestida de concurso cultural.
No entanto, cumpre deixar claro que não são todos os advogados que entendem dessa forma; há aqueles defendendo que as redes sociais teriam caráter publicitário e, portanto, a Portaria está correta. Sob meu ponto de vista, uma rede social não tem necessariamente caráter publicitário – aliás, originalmente, seu caráter não é esse – quem vai definir o caráter da rede é o usuário. Nestes termos, entendo ser possível um concurso cultural ser veiculado em redes sociais, desde que atendida a exigência de que não haja conotação publicitária na sua mecânica.
É importante ressaltar dois pontos: a Portaria não tem força de lei, é um ato administrativo. E o que é um ato administrativo? É uma declaração jurídica do Estado, complementar à Lei. Ele não passa pelo Processo Legislativo, e como declaração complementar não pode jamais ir além do que a lei prescreve. Quando uma Portaria vai além do que a lei que ela complementa determina, ela é ilegal e pode ser questionada judicialmente.
2. Por qual motivo o governo decidiu instituir esta portaria agora?
Porque a maioria dos concursos que estavam sendo realizados nas redes sociais, apesar de intitularem-se “concursos culturais”, tinham, na realidade, as características de promoções comerciais, por ter conotação publicitária, o que exigia autorização para ser veiculado. Foi nesse cenário que o Ministério da Fazenda convenceu-se de que a prática deveria ser melhor delimitada.
É importante compreendermos a necessidade da autorização: apesar de extremamente burocrática, a partir do momento em que estamos lidando com premiações, estamos adentrando a esfera não só dos direitos do consumidor, como também a esfera da economia popular. E quando estamos trabalhando nessas esferas, é necessário haver um maior controle por parte do Poder Público.
Importante ressaltar novamente: a Lei 5768/71 somente dispensa de autorização os chamados “concursos exclusivamente culturais”, ou seja, aqueles que além de não depender de sorte, de aquisição de bem ou serviço, também não contenham o ingrediente “propaganda”.
Vejo isso como um reconhecimento do efeito das mídias sociais na sociedade: há investimento, existem empresas investindo na publicidade em mídias sociais e isso gera necessidade de melhor regulamentar o mercado, que estava agindo à margem da Lei.
3. O que pode ou não ser feito?
Permitido
1. Distribuição de amostras: distribuição de amostras não é distribuição gratuita de prêmios, uma vez que não há o elemento competição: todos que a solicitam recebem a amostra;
2. Concurso (modalidade de promoção comercial com autorização): um ponto importante a ser destacado é que uma vez obtida a autorização, as agências estarão muito mais livres sob o ponto de vista criativo. Isso porque não há as amarras que antes eram impostas naqueles “concursos culturais fake”. Pode haver publicidade dos produtos e da marca à vontade, pode haver diversos componentes em uma gamificação por exemplo, pode haver um cadastro mais detalhado dos participantes (observadas as condições legais);
3. Veiculação de concursos exclusivamente culturais;
4. Promoção onde todos que curtirem a página recebem x% de desconto nas compras: não há competição, todos recebem o benefício; nestes casos, não há necessidade de requerimento da autorização. Obs.: vale para uma promoção no estilo “todos que fizerem check-in no 4Square recebem um cookie”.
Não está totalmente claro
1. Gamificação: a definição de Concurso, pelo Decreto 70.951/72 é:
Art 25: A distribuição gratuita de prêmios mediante concurso de previsões, cálculos, estes de inteligência, seleção de predicados ou competição de qualquer natureza, realizada por empresas comerciais, industriais ou de compra e venda de bens imóveis, está subordinada a este Regulamento, ressalvado o disposto no artigo 30.
Logo, a necessidade de autorização irá depender da mecânica utilizada. Uma mecânica que premie todos à medida que estes alcançarem determinadas etapas não precisaria de autorização; já uma mecânica que preveja premiações diferenciadas a depender da ordem em que as tarefas da mecânica sejam cumpridas precisaria de autorização.
A regra geral é: se há competição e o elemento propaganda está presente, há necessidade de autorização. Nesse sentido, as premiações para prefeito do 4Square, por exemplo, ao menos à primeira vista, ficam comprometidas, pois há o elemento competição presente.
2. Concursos culturais veiculados no hot site da empresa: vejo com preocupação os concursos culturais exclusivamente veiculados no site da empresa, em razão no disposto no art. 2º, V, da Portaria que veda a “exposição do participante a produtos, serviços ou marcas da promotora ou de terceiros, em qualquer meio”. Entendo que entrar no hot site da empresa é ser exposto a produtos, serviços, ou marcas da promotora a terceiros.
Não é permitido
1. Concursos culturais com propaganda: é importante deixar muito claro que o que era chamado de “concurso cultural” pelo mercado publicitário NUNCA foi concurso exclusivamente cultural, e sim “concurso”, modalidade das promoções comerciais previstas em lei. Uma vez que exista competição e propaganda é configurada uma promoção comercial (promoção comercial pode ser concurso, só não é exclusivamente cultural, sorteio ou vale-brinde);
2. Concursos culturais veiculados em aplicativos do Facebook: esta é uma situação complexa. A CEPCO certamente entenderá os aplicativos do Facebook como integrante da rede social Facebook e poderá haver penalização em razão da Portaria 422/13. É bem verdade que se o concurso for mesmo exclusivamente cultural, esse ponto poderá ser discutido, mas raros são os concursos lançados em redes sociais que possuam mesmo as características de exclusivamente culturais;
3. Promoção em que o prefeito do 4Square receba algo: existe competição, portanto, é necessário requerer a autorização.
4. Por que a portaria restringe completamente a atuação em redes sociais e não a outras plataformas?
Esse trecho da Portaria é o único que poderia ser questionado judicialmente, tendo em vista que a Lei 5768/71 não faz qualquer distinção ou exigência do meio para autorizar concursos culturais. No entanto, para se questionar tal exigência judicialmente é necessário que se esteja realmente planejando um concurso exclusivamente cultural e não uma promoção comercial travestida de concurso cultural.
5. Qual é a saída no caso da empresa querer fazer um concurso cultural?
As empresas precisam seguir os processos tradicionais da Caixa Econômica Federal. Pode-se traçar o seguinte esquema:
Em primeiro lugar, é preciso examinar se a mecânica da promoção é de concurso exclusivamente cultural (dispensando autorização da CEPCO) ou promoção comercial. Um concurso exclusivamente cultural não pode depender de:
Sorte;
Obrigação de adquirir ou utilizar determinado bem ou serviço;
Publicidade (lembrando que publicidade deve ser entendida como tudo aquilo descrito na Portaria 422/13).
É importante que um advogado examine o regulamento e a mecânica para que haja certeza quanto ao enquadramento na modalidade “concurso exclusivamente cultural”. Caso o intuito do cliente seja promover um produto ou marca, a opção é pedir autorização junto à CEPCO para lançar a promoção comercial, em uma das modalidades de sua escolha: sorteio, vale-brinde ou concurso.
Nas hipóteses de “concurso”, é preciso pagar a taxa de administração, preencher uma série de formulários e aguardar o resultado do processo, que demorava até 45 dias (a Caixa Econômica Federal anunciou uma mudança no prazo, que agora pode ser de até sete dias, caso não haja pendências documentação). Após a autorização e ocorrida a promoção, há também a necessidade de enviar uma documentação que comprove que esta se deu nos termos aprovados (juntamente com o pagamento do IR sobre o valor do prêmio, à razão de 20%). O processo não é informatizado (o que as agências de mídias sociais certamente estranharão) e é bem burocrático, além de não haver um procedimento específico para pequenas premiações, mas não envolve maiores dificuldades; no entanto, agência, cliente e advogados precisarão trabalhar em perfeita sintonia no momento de planejar as ações das empresas.
Há também a possibilidade de utilizar títulos de capitalização, hipótese em que não há necessidade de requerer autorização da CEPCO para realizar promoções. No entanto, o custo de tal procedimento é alto e só é compensador nos casos em que o valor do prêmio é mais elevado.
Importante ressaltar que caso o cliente deseje arriscar e lance uma promoção sem autorização da CEPCO, além do pagamento de multa há a possibilidade da empresa ficar proibida de realizar promoções por até dois anos.
6. Onde os interessados podem se informar mais?
Site da Caixa Econômica Federal:
Site da Secretaria de Acompanhamento Econômico.
O IAB Brasil agradece ao presidente do comitê de social media, Renato Dias, da Odiseo Brasil, ao presidente do comitê de mobile, Eduardo Fleury, da Pontomobi e aos membros do comitê de veículos, Mariana Assis, do UOL e do comitê de agências, Tiago Lucci, da Sapient, pela participação ativa nas discussões que nos auxiliaram na produção deste material. Agradecimento também à Dra. Flávia Penido, que nos auxiliou juridicamente na concepção do projeto.
Este guia de perguntas e respostas está disponível para todos os profissionais e pessoas interessadas no mercado de marketing e publicidade digital no site do IAB Brasil.
Flávia Penido é advogada formada pela USP (Largo São Francisco) especializada em Direito Tributário, atua há anos na área de Direito Digital e é sócia da Penido Advogados Associados. Ministra aulas de Direito Digital na Pós Graduação da Faculdade Impacta e na Internet Innovation.
Via Agência Ideal.
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