Playable Teaser, ou simplesmente P.T., foi o primeiro jogo que baixei assim que adquiri um PS4, mas só fui jogá-lo de fato muitos dias depois, quando me senti corajoso o suficiente pra isso. Por mais que eu já soubesse do que se tratava, não havia vídeos no youtube que me preparassem para os sustos tomados naqueles dois simples corredores em loop.
P.T. – que era pra ser, literalmente, apenas um teaser jogável para anunciar o novo jogo da série Silent Hill – se tornou uma das melhores experiências de terror em um game. Desde o último dia 29 de abril, essa experiência foi tirada do ar pela Konami. Como já falamos por aqui, P.T. foi vítima dos possíveis conflitos com cara de briga conjugal entre Hideo Kojima e a Konami, o que fez com que o projeto de Silent Hills, que era encabeçado pelo criador de Metal Gear, fosse cancelado.
Como em todo divórcio, quem sofre mais são os filhos que, nesse caso, somos nós jogadores. Apesar de P.T. ainda poder ser jogado e baixado por quem já o tinha adquirido na PlayStation Store, aqueles que não têm o console da Sony até agora vão ficar privados de uma das melhores experiência exclusivas do PS4 e que ainda era de graça. Por isso, a retirada do jogo foi tão ou mais lamentada do que o cancelamento de Silent Hills.
O mais estranho nisso tudo é que não há muita razão para essa atitude da Konami. Ok, P.T. era um teaser de Silent Hills, mas o próprio Kojima afirmava que ele pouco tinha a ver com o que jogo final seria. A única coisa que ligava os dois era o trailer no final. No mais, o Playable Teaser era uma experiência separada e fechada em si.
Não bastava uma atualização para cortar essa parte para continuar com o jogo no ar? Será que a retirada foi uma exigência de Kojima, já que P.T. usa a sua Fox Engine? A empresa só se limitou a dizer que P.T. não estaria mais disponível, agradeceu o apoio dos fãs e afirmou que ainda vai continuar investindo na série Silent Hill.
Com o fim de P.T., o que nos resta é olhar para ele e tentar identificar o que o fez tão único e especial, a ponto de muitos adorarem o jogo mesmo não tendo terminado, por medo.
Mama e O Labirinto do Fauno
Vamos lembrar que Silent Hills também tinha envolvimento do cineasta Guillermo del Toro. Ele é mais conhecido pelas adaptações de Hellboy e, mais recentemente, por Pacific Rim, mas o diretor também tem seu pé no horror — e isso se reflete em P.T.
A influência de del Toro pode ser vista por causa de um filme que ele produziu (mas não dirigiu) chamado Mama, de 2013. O longa não é lá essas coisas (ele pode ser visto na Netflix), mas foi baseado em um excelente curta de mesmo nome. O curta Mamá, com del Toro dando uma introdução antes, pode ser visto abaixo e é só ver a figura fantasmagórica que aparece para enxergarmos a relação com P.T.
Não só o diretor, mas o próprio Kojima queria dar já ao Playable Teaser o clima que o aproximasse mais ao terror psicológico dos primeiros Silent Hill. Tanto que na Tokyo Game Show do ano passado, ele mostrou um vídeo que apresentou o conceito por trás do teaser jogável.
Não à toa o vídeo tem suas similaridades com o Mamá apresentado por del Toro, apesar de ser um tanto mais grotesco e tipicamente japonês. Olhem só:
E nunca é demais lembrar: Del Toro também escreveu e dirigiu O Labirinto do Fauno, um filme que fica no fio da navalha entre a fantasia e o terror:
O que faz esse tipo de terror funcionar tão bem em P.T. é justamente a sua curta duração, o que me faz questionar até se os jogos de terror não estariam melhor adaptados em experiências de período menores do que estamos acostumados em jogos.
Um exemplo disso é Outlast, outro jogo recente que proporciona bons sustos, mas que só funcionam nas primeiras duas ou três horas. Depois isso, já ficamos mais anestesiados com as criaturas daquele hospital e mais e mais vamos esquecendo do medo.
Já com P.T. principalmente hoje em dia, com todos os puzzles do jogo já solucionados e encontrados na internet, é possível completá-lo em menos de meia hora. Uma experiência rápida, intensa e que marca muito mais.
Kojimices
P.T. foi o primeiro jogo — com exceção de Metal Gear – com envolvimento direto de Hideo Kojima em anos. Graças a isso, podemos vislumbrar rapidamente o que o game designer poderia fazer sem as amarras das “engrenagens solidas de metal”.
O resultado contribuiu muito para fazer de P.T. uma experiência única. Depois que ficamos sabendo da participação de Kojima no projeto, é fácil identificar as ideias características dele que fizeram a fama de Metal Gear, principalmente nas maneiras criativas de usar a linguagem de jogos eletrônicos, seja na resolução de puzzles que não se limitam ao espaço virtual do jogo ou até falsos bugs que enganam o jogador.
Quem diria que isso tudo viria despretensiosamente em um jogo que foi criado para revelar outro (um conceito, por si só, bem original). No final, ele chamou muito mais a atenção e, mais do que isso, marcou todo o gênero de jogos de terror a partir de agora. O engraçado é que, por qualquer que fosse o motivo, P.T. não estar mais disponível só fez deixá-lo ainda mais importante.