A Amazon chegou ao Brasil de mansinho com a seguinte proposta: mostrar que ebooks e Kindles podem fazer o nome da marca por aqui. E, para isso, ela trouxe uma série de opções de eReaders, incluindo o chefão da turma, aquele que fez muita gente babar por aí, o Kindle Paperwhite. Mas como ele se adapta ao nosso ecossistema tropical? Usamos o aparelho durante um bom tempo e trazemos nossas impressões sobre o monstrinho da Amazon.
A primeira coisa que chamou minha atenção quando abri a caixa do Kindle Paperwhite foi o tamanho. Por algum motivo misterioso, imaginei que o bichinho era maior do que é. Tirei da caixa, virei pra ver se era mesmo ele e… achei que não era. O Paperwhite é totalmente preto, não tem nada que diga que ele é um Paperwhite – atrás está escrito apenas Kindle. Se, entretanto, não há nada que evidencie que se trata de um outro bicho enquanto ele está desligado, basta ligar para saber que estamos falando de algo que ainda não tínhamos visto.
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Para começar, e sei que isso não é uma novidade, mas o Paperwhite é touchscreen, assim como o Fire — e o Touch, mas no Touch eu ainda não coloquei minhas mãos. Há apenas um botão físico, o de ligar/desligar, que fica embaixo do aparelho. Você aperta o botão para ligar e aparece uma mensagem pedindo pra você deslizar o dedo para desbloquear – vale deslizar de qualquer jeito, em qualquer direção. Se você já tiver registrado o aparelho com a sua conta da Amazon, a tela terá cinco linhas: na primeira, o nome do seu Kindle, a barrinha do Wi-Fi e da bateria e a hora; na segunda, os “botões” de configuração; na terceira, os seus livros; na quarta, as recomendações da Amazon; e na quinta um anúncio.
Os “botões” do Kindle Paperwhite são seis: a casinha, ou seja, o home, um botão de voltar, uma lampadinha, um carrinho de compras, uma lupa e um ícone com três linhas com cara de “Configurações” (são elas, mesmo). Nenhum mistério aqui: a casinha leva você à tela inicial, o botão de voltar volta para a última coisa que você estava fazendo, a lampadinha – falaremos mais sobre ela – ajusta a luminosidade da tela, o carrinho de compras leva você à loja da Amazon e o botão de configurações abre as opções de configuração do aparelho – nenhuma que mereça menção especial a não ser, talvez, o acesso ao “Navegador Experimental”.
As configurações que realmente importam têm seus botões próprios: a da luminosidade da tela, essa sim uma novidade do Paperwhite, e a da fonte, que não está disponível na tela inicial. A lampadinha que revela o controle de luminosidade é tão simples como se espera que um botão de configuração seja: você não tem dúvidas de para que ele serve, quando abre ele revela uma escala do menor para o maior na qual é ridiculamente fácil ajustar a luminosidade e que ainda traz dicas sobre o uso em ambientes claros ou escuros. OK, mas qual é a genialdiade de se pensar em um botão para ajustar a luminosidade? Bem, nenhuma, mas no iPad e no Kindle Fire não há um botão para isso. Para ajustar a luminosidade da tela você tem que entrar nos Ajustes, selecionar o Brilho da Tela e só então ajustar. Não é um grande trabalho se você usar pouco, mas essa é a diferença no ajuste do Paperwhite: você não precisa usar pouco porque ele está na sua cara.
Leitura
E é a luz que faz toda a diferença no Paperwhite. Para começar, é uma luz praticamente uniforme por toda a tela: os únicos pontos de “sombra” perceptíveis estão na parte de baixo, na linha em que não há texto. Além disso, a luz do novo Kindle não irrita, não impede que você leia por períodos longos. A comparação com a luz do iPad nesse aspecto deixa bem claro (neste caso, literalmente) o que a Amazon quer dizer quando valoriza sua tecnologia de iluminação: mesmo no nível mais baixo de brilho, o iPad ilumina praticamente o quarto todo, e tem potencial para fazer sua companheira/seu companheiro de cama reclamar da luz. No Kindle isso não acontece – o máximo que fica iluminado é o leitor. Em suma: não dá para usar o Kindle para iluminar o outro lado do quarto, como é possível fazer com o iPad.
A própria existência da luz é uma enorme vantagem, embora seja difícil falar em vantagem quando consideramos que, na real, o Kindle concorre, como leitor, também com os tablets, que têm luz há tempos. Se falamos apenas de leitores, porém, é uma novidade na linha Kindle — os concorrentes de eReaders, como o Nook e o Kobo, agora também trazem tal opção.Mas, pelos motivos já descritos — a luz é uniforme, ilumina bem o texto sem cansar a vista, e não ilumina o que não precisa iluminar — o Paperwhite leva vantagem ampla sobre as iluminações disponíveis no mercado, inclusive as dos tablets.
A outra novidade do Paperwhite para a leitura são as novas fontes disponíveis. No total, são seis fontes disponíveis, número menor até do que no Fire. A diferença, porém, é a qualidade. A tela do aparelho tem uma resolução muito acima da média para quem se acostumou com o e-ink, o que, além de permitir leitura melhor e mais confortável, torna possível fontes mais “elegantes”, como Helvetica e Baskerville. Admito que para mim isso muda muito pouco, pelo menos na percepção imediata, mas tem sido apontado por muita gente como algo bem bacana.
Se a definição da tela é incrível, seu tamanho pode levar a discussões. Não há qualquer desconforto para ler por causa do tamanho (12,2 por 9 cm). O problema é a quantidade de texto que cabe ali, e nisso o Kindle pode ser vítima de uma de suas qualidades. Em uma comparação com um livro “comum”, por exemplo, contei vinte e nove linhas de texto, enquanto na tela do Kindle com a fonte do mesmo tamanho cabem 23. Não é uma grande diferença, você não tem que “virar a página” em um tempo muito menor do que teria se estivesse lendo no livro. Se, entretanto, você escolher uma fonte maior, e é provável que você faça isso se estiver rondando os 40 anos, o número de linhas cai, assim como a quantidade de texto em cada linha. Lendo no tamanho 5 (de um total de 8) e em uma velocidade normal, não é nada que possa irritar o leitor menos preciosista, mas ainda assim pode haver quem prefira a tela maior do iPad – mesmo a do Mini.
Conforto
O que nos traz a outra questão: o conforto da leitura, o peso, a facilidade de segurar o aparelho. E é exatamente por esse item que o Kindle – e sua tela – tem o tamanho que tem. O Paperwhite que está aqui na minha mão – sim, em uma mão só – é incrivelmente leve (213 gramas, contra 400g do Kindle Fire, 575g do Kindle Fire HD e nada menos que 662g da quarta geração do iPad).
Ou seja: não dá pra comparar a facilidade de leitura em um Kindle e em um tablet “normal”. São animais diferentes, feitos para coisas diferentes, e se você quer ler por longos períodos um tablet não é, ou pelo menos não deveria ser, uma opção. E não só pelo peso.
Ler em um iPad é operação complicada por um motivo simples: é praticamente impossível segurá-lo com uma mão só sem acidentalmente encostar na tela – e mudar de página. Comparado com o iPad clássico, o Kindle Paperwhite é muitíssimo superior nesse aspecto. Além de leve, é fácil de segurar com uma ou duas mãos, não pesa, não cansa. Permite todas as posições de leitura que um livro ou tablet permitiria, e outras que eles não permitiriam. Na comparação com o iPad mini, porém, estas vantagens diminuem consideravelmente. O Mini tem 308g, ainda é quase 50% mais pesado do que o Kindle, mas a diferença não é suficiente para incomodar. E a tela um pouco maior, de 13,47 por 20 cm, leva vantagem na quantidade de texto.
O tamanho, porém, que é vantagem em muitos aspectos, é desvantagem quando se fala em facilidade de segurar. Como é pequeno e tem a maior parte de seu tamanho ocupado pela tela, o aparelho não deixa muitos lugares para você colocar os dedos sem encostar na tela. No primeiro momento, exige uma adaptação – e você provavelmente vai mudar de página sem querer algumas vezes. (De novo, note-se, você será vítima das qualidades do aparelho, no caso a facilidade em virar as páginas, simplesmente tocando na tela de um lado ou de outro para avançar ou voltar). Em pouco tempo, porém, você se acostuma com o tamanho e formato, e isso deixa de acontecer.
E, convenhamos, com o que estamos comparando? O Kindle não é fácil de segurar, mas o que é? Bem, o Kindle Keyboard é, a área do teclado permite uma “segurabilidade” mais bacana, sem ser muito mais pesado (14 gramas a mais). Além do tamanho maior, porém, que pode ser vantagem para alguns e desvantagem para outros, o Keyboard não é touch screen, e se isso pode fazer com que você não mude acidentalmente de página, por outro lado fará com que demore mais ou menos um minuto para olhar uma palavra no dicionário, contra 3 segundos dos modelos com touch screen. Isso sem falar que o Keyboard não tem iluminação interna.
Se a comparação com o que existe é favorável ao Paperwhite, impossível não pensar que a Amazon podia ter feito o próprio um pouco maior, e com uma área maior para segurá-lo. Para os meus hábitos, provavelmente seria melhor, contanto que o peso pudesse não ser significativamente maior. O aparelho, porém, deixaria de caber no bolso, e seria mais difícil de manusear. Não sei o quanto isso faria diferença para a maior parte do público ao qual o Kindle se destina.
Oferta de títulos
A oferta de títulos da Amazon é o principal ponto em que faz toda a diferença se você está no Brasil ou nos EUA. Posso dizer sem nenhuma sombra de dúvida que o Kindle Fire foi a compra mais estúpida que eu já fiz na vida, já que não consigo usar ele – sim, eu sei que há maneiras de “driblar” as restrições, mas elas requerem esforço, e o objetivo aqui é praticidade. No caso do Kindle para leitura, entretanto, por um lado essas restrições simplesmente somem: você pode comprar o livro que quiser, no próprio aparelho, e recebê-lo, se tiver uma conexão decente, em segundos. Em inglês, a oferta de títulos da Amazon é simplesmente monstruosa, muito maior do que qualquer concorrente. E em português, antiga falha do ecosistema Amazon, já há quantidade e qualidade para não reclamar.
Segundo a Amazon, são 16 mil títulos em português, 2.500 deles gratuitos. Entre eles estão 19 dos 20 da lista de mais vendidos, além de autores que vão de Philip Roth a Dráuzio Varela, passando por Proust, Paulo Coelho, trilogia 50 Tons de Cinza, As Aventuras de Pi, Stephen King e a biografia de São Marcos. Entre os títulos gratuitos interessantes há por exemplo os dois números da Orpheu, revista de literatura publicada por, entre outros, Fernando Pessoa e Mario de Sá-Carneiro em 1915.
E aí, vale?
O Kindle é muito mais barato que um tablet, é a melhor maneira de ler um livro – comparando, inclusive, com o livro de papel -, você pode ler em qualquer ambiente, e é fácil de segurar. A luz interna é fantástica, a definicão da tela, idem. O iPad Mini, porém, tira foto, acessa bem a internet, tem Angry Birds e Facebook e exibe vídeos – apesar da tela ser pequena demais para que você possa vê-los como devia, convenhamos. Para completar, há mais e mais concorrentes na categoria “tablet pequeno” — o ótimo Nexus 7, o Asus Fonepad, o Galaxy Tab 8.0. O conforto da leitura é pior quando se pensa em luminosidade, é verdade, mas só neste quesito. O peso é um pouco maior, mas nada que faça diferença enorme – pelo menos para mim. E qualquer tablet também tem o aplicativo Kindle, o que resolve qualquer questão com relação à oferta de títulos.
Quer dizer, tudo depende do uso que você pretende fazer do aparelho. O Kindle – e o Paperwhite não é diferente – é um leitor. Você não vai usá-lo para receber emails, não vai jogar nele e não vai acessar a internet – a não ser para, por exemplo, checar rapidamente quem é mesmo esse Mario de Sá-Carneiro. Até serve para acessar a Wikipedia, embora não seja a coisa mais fácil do planeta chegar nela, mas você não vai querer usá-lo para postar no Facebook o que está achando do livro. O que, em minha modestíssima opinião, pode ser uma grande vantagem – e um bom motivo para você economizar US$ 60 e abrir mão do 3G, que provavelmente usará bem pouco.
Sim, é uma questão filosófica, na qual não tenho nenhuma dúvida sobre o lado em que estou: se você vai ler um livro, leia um livro, e só faça outra coisa enquanto estiver lendo o livro se isto for tornar sua leitura uma experiência mais rica – por exemplo, se precisar entender uma referência ou recordar uma personagem histórica. Você não vai acessar o Facebook, mudar de idéia e jogar Angry Birds ou resolver assistir um vídeo. O Kindle não é para isso, o que para mim é perfeito. Por outro lado, isto vale para mim, que também tenho um iPad para todos estes outros usos.
Outra questão levantada por algumas pessoas é a baixa capacidade de armazenamento, 2GB, o que equivale, segundo a Amazon, a 1100 livros. Bem, eu tenho 1100 livros, mas… preciso levar eles comigo toda vez que sair? Claro que não. Além disso, embora o aparelho “só” permita armazenar 2 GB, você pode acessar todos os seus livros por meio da nuvem da Amazon. Ou seja: a probabilidade de você sentir falta de mais capacidade de armazenamento é bastante pequena.
Por fim, outra característica interessante do Kindle tem a ver com a concorrência, mas também com a maneira como a Amazon a encara: a possibilidade de sincronizar seus livros com outros devices, inclusive o iPad. Em um dia normal de trabalho, dificilmente terei tempo para ler um livro durante o dia, ou seja, faz pouco sentido levar meu Kindle comigo no dia-a-dia. Por outro lado, meu iPad vai sempre comigo. Se, portanto, sobrarem quinze minutos entre o almoço e uma reunião, posso perfeitamente abrir o aplicativo Kindle do meu iPad e ler o livro que eu quiser, abrindo ele no ponto em que parei, e sabendo que, quando abri-lo de novo no Kindle, ele vai abrir no ponto em que eu parei no iPad.
Se você já tem um tablet e quer um Kindle para substituir/somar aos seus livros de papel, vale demais a pena, ainda que R$ 479 esteja longe de ser barato. E lembre sempre que nos EUA o aparelho sem 3G sai por US$ 119, menos da metade do valor.