A internet observa de perto o que empresas como Apple, Samsung e Sony importam do Sudeste da Ásia, já que esses componentes dão dicas de produtos que estão por vir. O Departamento de Trabalho dos EUA também observa de perto, mas por um motivo completamente diferente: descobrir “escravidão moderna” nas fábricas que produzem eletrônicos.
Neste ano, o Departamento de Trabalho encomendou um estudo sobre a frequência de trabalho forçado na Malásia do grupo de direitos trabalhistas Verité. O relatório divulgado ontem conta com entrevistas com mais de 500 trabalhadores de centenas de fábricas – e é uma visão horrível sobre como são feitos os produtos eletrônicos que usamos todos os dias.
De acordo com o Verité, imigrantes que entram na Malásia para trabalhar precisam pagar honorários apenas para obter empregos, e ficam um ano inteiro pagando essas taxas de entrada. Empregadores frequentemente guardam o passaporte dos operários para restringir sua movimentação. Eles vivem em bairros apertados e inseguros e estão sob vigilância constante. Os salários constantemente são menores do que o inicialmente combinado. Veja alguns dos números relatados pelo Verité:
- 94% dos trabalhadores estrangeiros entrevistados relataram que o passaporte foi guardado pelo estabelecimento ou seu corretor/agente, e 71% afirmaram que era impossível ou difícil obter o passaporte de volta quando queriam ou precisavam dele.
- 92% relataram se sentir obrigados a trabalhar horas extras para pagar suas dívidas, e 85% sentiam que era impossível sair do trabalho cedo.
- 95% dos trabalhadores que fizeram empréstimos para pagar as taxas de recrutamento demoraram mais de três meses para pagar a dívida, e 50% precisaram de mais de um ano.
- 22% dos trabalhadores estrangeiros foram enganados sobre seus salários, horários, exigências de hora extras ou pagamento, as disposições relativas a cessação do emprego, ou a natureza ou grau de dificuldade ou perigo de seus trabalhos
- 30% dos trabalhadores estrangeiros dormiam em um quarto com mais de oito pessoas, 43% dos trabalhadores estrangeiros disseram que não havia nenhum lugar para armazenar seus pertences com segurança, e 22% dos trabalhadores estrangeiros disseram que não se sentiam seguros nos alojamentos.
Passamos muito tempo falando sobre eletrônicos de consumo – afinal, somos um blog de tecnologia – mas tendemos a nos concentrar nos dispositivos em si. Como esses trabalhadores imigrantes não têm uma agência para defendê-los nem voz para falar, violações escandalosas de direitos humanos continuam acontecendo, mesmo com toda essa montanha de evidências de que elas de fato acontecem.
O relatório, por mais que seja encomendado por um órgão governamental dos EUA, reflete também a realidade dos dispositivos que usamos aqui no Brasil. Afinal, a origem dos componentes frequentemente é a mesma – fábricas de países asiáticos que não costumam oferecer condições decentes de trabalho para seus operários.
Para muitos de nós, nossos smartphones “nascem” no dia em que os tiramos da caixa. Eles “morrem” quando trocamos por outro ou jogamos fora. Mas, na verdade, essa é apenas a metade da vida dos nossos gadgets, que começa nas mãos de imigrantes frequentemente forçados a fazer o trabalho. E, quando eles deixam de nos pertencer, são enviados para trabalhadores pobres em países em desenvolvimento. O tempo que eles passam no nosso bolso é apenas uma parte da história – o começo e o fim são muito mais difíceis de se engolir. [Verite; The New York Times]
Imagem de topo: porto da Malásia por AP Photo/Lai Seng Sin.
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