O Brasil é um país de contrastes. Temos aqui muita coisa avançada, de ponta, que não fica “devendo” para países desenvolvidos. Só que temos também muita coisa defasada. Vem aumentando a visibilidade das coisas brasileiras mais inovadoras, e das que tem valor agregado, mas no geral ainda somos um exportador de commodities: mercadorias básicas sem valor agregado, vendidas em quantidades gigantescas por um preço geralmente ditado em bolsas de valores. Claro, isso nos torna importador de coisas mais sofisticadas. E este ano ouvimos notícias de alguns programas científicos e/ou tecnológicos sendo diminuídos ou cancelados no Brasil.
Somos também um país de técnicos de futebol que também exercem sua liberdade de expressão opinando sobre todos os tipos de assunto, independentemente do conhecimento sobre o tema. Tem gente que diz que o problema e a solução estão relacionados aos impostos. Outros, relacionados à burocracia. Outros, à ciência básica. Uns, especialmente no meio startup, dizem que o governo tem que ajudar especificamente ao não atrapalhar. Outros adoram ganhar a bolsa do programa Startup Brasil (do MCTI e CNPq).
Parece ser a corrente principal de pensamento dizer que a pesquisa de base não importa se não for transformada em um negócio ( “tem que desovar, botar na rua”). E aí que invoco o icônico Peter Thiel, que escreveu em seu livro “De zero a um” (leia minha resenha aqui) que a tecnologia não é um equipamento, mas um vetor de concentração econômica (em oposição à globalização, que é um vetor que espalha as benesses do progresso). Outra coisa sobre ele é sua visão de mundo: ele é claramente um libertário. Não significa libertino nem anarquista, muito menos liberalista ou neoliberalista.
Acontece que encontrei um vídeo de uma palestra feita durante a quinta edição da conferência anual da Property and Freedom Society, que se declara libertária e em seus princípios coloca claramente que “ou o cidadão-consumidor é supremo, ou o governo é; não há meio caminho”. A palestra, proferida pelo bioquímico Terence Kealey, que já foi vice-reitor da Universidade de Buckingham, chama-se “Ciência é um bem privado, ou: por que ciências via governo é um desperdício”. Veja bem, seria muito fácil argumentar contra essa afirmação, pois atualmente até mesmo o alto capitalismo tecnológico é meio socialista (no sentido de compartilhar tudo, valorizar o acesso aos bens e serviços tanto quanto a propriedade, etc).
Eu achei muito interessante parar durante 30 minutos para entender todo um pensamento diferente do meu e recomendo este exercício para cada um aqui que se considera um guru, hehe. É muito fácil evangelizar e dar pitaco no desenvolvimento socioeconômico dos outros empoderado com um “campo de distorção da realidade” a la Steve Jobs. O problema brasileiro, quando alguns dizem que se deve à educação pobre, tem a ver com assistir vídeos como esse com a mente aberta. Para mim, valeu a pena. Não importa se concordo ou discordo.
Cheguei ao ponto de ligar para um amigo cientista, que tem décadas de trabalho reconhecido internacionalmente, gerenciando projetos enormes em contextos incríveis. Perguntei o que ele achava desse vídeo e ele me disse que: não achou tão ruim, mas não achou tão bom a ponto de pesquisar mais fundo a respeito. Disse também que não concorda com um dos pontos do vídeo, de que o meio científico seria uma espécie de “panelinha” em que o conhecimento resultante das pesquisas só é compartilhado com quem está sempre produzindo esse conhecimento. De qualquer maneira: não dói pesquisar e checar. Não dói ler coisa que vai contra sua opinião.
Assiste aí para saber por que escolhi uma imagem de Tales de Mileto para ilustrar o artigo. Assiste, pensa um pouco, depois comenta o que achou 😉
https://youtu.be/am-5Z0QeOlM
Para quem quer pensar mais nesses assuntos, sugiro lerem ainda esses artigos:
http://startupi.com.br/2014/10/a-estrategia-do-oceano-azul-e-a-estrategia-do-flavio-marinho/
http://startupi.com.br/2015/02/as-startupolitikas-da-startupolis-em-que-vivemos/
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