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Teodoro Sampaio: precisamos nos lembrar dele no dia da Consciência Negra


Estávamos aqui pensando em como homenagear uma grande pessoa no Dia Nacional da Consciência Negra. Aqui, na F451, empresa que publica o Gizmodo, nós temos pessoas de tudo quanto é origem. Temos um japonês-português que é fã da Itália. Temos um ítalo-paraibano que não curte nem um pouco a Itália. Temos uma judia e uma mineira que viveu no Sergipe que tem pai judeu convertido. Temos gente de todas as regiões da cidade de São Paulo – dos Jardins ao Capão Redondo, passando por Pinheiros, Penha, Santana. E, como percebeu um dos nossos editores dia desses: somos uma empresa com gente de todas as cores em todas as áreas. Os negros da F451 não trabalham apenas com limpeza – são repórteres e editores. Os japoneses não são apenas nerds. É bom ver o preconceito ruindo no seu dia a dia.

>>> Por que chamar negro de macaco é racismo?

Só que a gente sabe que, infelizmente, isso ainda é uma enorme exceção. Na prática, é só dar uma olhada nos lugares em que você trabalha ou que frequenta. Os negros, por uma série de questões históricas, ainda são minoria nos trabalhos mais bem pagos (essa conversa é longa, mas já temos uma dica: negros não podiam ter propriedade por um bom tempo, por causa da Lei de Terras). É por isso que faz sentido, para nós, existir um Dia Nacional da Consciência Negra. É um feriado que nos pensar sobre a representatividade do negro na sociedade brasileira. Não é um feriado para colocar negros contra brancos, pardos contra japoneses. É um feriado que nos faz pensar em uma coisa: como a gente pode fazer para que, um dia, o preconceito de cor desapareça? Como fazer com que as pessoas tenham as mesmas oportunidades? E que pessoas com a mesma qualificação tenham o mesmo salário?

Para nos inspirar nesse dia, fomos buscar o exemplo de um homem que é mais conhecido pela rua que nomeia: Teodoro Sampaio. E ele não fazia móveis nem instrumentos musicais, como a via que o homenageia em São Paulo. Ele tem uma importância enorme para a academia e para a tecnologia brasileira. Se você é engenheiro pela USP ou depende de água do Sistema Cantareira, em São Paulo, parabéns: Teodoro também faz parte da sua história – e esperamos que, cada vez mais, pessoas de todas as cores e origens façam parte da história de cada um de nós.

Filho de padre

Em 1855, num engenho na Bahia, nasceu Teodoro Sampaio, filho de um padre com uma escrava. Na época, ele tinha tudo para ter uma vida extremamente infeliz a sua frente. Mas não foi o que aconteceu.

Por ser filho de um homem branco, Teodoro acabou não se tornando um escravo. Ele teve a oportunidade de se alfabetizar e, mais tarde, foi levado pelo pai para São Paulo e para o Rio de Janeiro, onde estudou até se formar como engenheiro. Mas a formação não fez com que ele se esquecesse de quem era ou de onde tinha vindo: assim que foi possível, Teodoro voltou para a Bahia e comprou as cartas de alforria de todos os seus irmãos, que não tiveram a mesma sorte que Teodoro e sofreram os horrores da escravidão.

De volta ao sudeste, Teodoro foi uma figura de extrema importância. Ele começou trabalhando com ferrovias. Depois chefiou várias das obras da Companhia Cantareira e, mais tarde, se tornou o responsável pela Companhia de Saneamento de São Paulo. Sim, ele foi um dos pais do Sistema Cantareira, o maior sistema de fornecimento de água de São Paulo. Além disso, Teodoro tinha um imenso interesse pela geografia e deixou várias obras que contribuem até hoje para pesquisadores da área. E, para os engenheiros (ou aspirantes a engenheiros) do Gizmodo, a cereja do bolo: ele foi um dos fundadores da Escola Politécnica, que hoje integra o corpo da Universidade de São Paulo.

Misturas

O Brasil é um país extremamente miscigenado, o que faz com que muitas pessoas não acreditem que ainda tenhamos que lidar com casos de racismo. E embora o racismo certamente seja um dos problemas mais dolorosos que a comunidade negra enfrenta, a representatividade também é uma questão para a qual todos devem abrir os olhos. Hoje, vários profissionais respeitadíssimos em uma gama variada de áreas, que vão desde a tecnologia até a indústria fonográfica, passando pela academia e pela política, são negros. Hoje, o presidente dos Estados Unidos é negro. E essas são, sem dúvida, conquistas importantíssimas. Mas mesmo com elas, a representatividade dos negros ainda não é como deveria ser. No meio do ano, a The Atlantic, uma das revistas mais respeitadas dos EUA, publicou uma belíssima reportagem mostrando as consequências econômicas da escravidão e do preconceito. Os negros simplesmente foram cortados da economia. Eles não tinham como ascender economicamente. Vale a leitura, neste link (o nome do texto é The Case for Reparations). 

Então em vez de seguir o caminho mais confortável e acreditar que o racismo já é uma questão superada, que tal usar esse feriado para lembrar que, em linhas gerais, ser negro ainda é mais complicado do que ser branco e que a cor da pele não é um critério razoável para julgar pessoas? E vamos lembrar também que atitudes deploráveis como o racismo só perderão a força quando todas as pessoas fizerem a sua parte para que tenhamos um mundo mais igualitário. Afinal, mulheres negras são as pessoas que menos ganham na sociedade. E, mesmo quando as pessoas têm exatamente a mesma formação, ainda há enormes chances de que elas sejam discriminadas. Esse professor da Ufes, infelizmente, só verbalizou algo que uma parte da sociedade mantém em silêncio: entre um médico negro e um branco com a mesma formação, algumas pessoas vão preferir o médico branco simplesmente porque ele é… branco.

Existem várias iniciativas de combate ao racismo e para o aumento da representatividade negra na sociedade. Você pode, claro, não concordar com algumas delas, como as cotas, que são um ponto em que as opiniões costumam divergir. Mas é necessário que todos admitam que o racismo ainda é um problema. Que mesmo que atualmente as demonstrações desse tipo de preconceito sejam socialmente inaceitáveis, ele permanece dentro dos corações e das mentes de muitas pessoas. Iniciativas de ONGs, do governo e quaisquer outras naturezas dão sua contribuição para que esse tipo de situação lamentável seja combatida. Mas para que eles funcionem, todos nós temos que dar a nossa contribuição diária. Todos nós. Então vamos nos lembrar do intelecto brilhante de Teodoro Sampaio e das suas contribuições para o Brasil. E que essa lembrança faça com que nunca nos esqueçamos de que somos todos iguais, repletos de capacidades e potencialidades. Se você já sabe disso, faça a sua parte para que as pessoas que não acreditam passem a aceitar que a raça não tem absolutamente nada a ver com o valor de uma pessoa. Com isso, você estará ajudando a fazer um mundo melhor.

Na F451, no Gizmodo, a gente não se deu conta que estava promovendo diversidade. Simplesmente aconteceu porque isso faz parte dos nossos valores. E te digo, do fundo do coração, sem batida de bumbo: é espetacular quando você trabalha num lugar com gente de tudo quanto é jeito, de todas as origens. A diversidade nos desafia e nos faz pensar. Nesse processo, todos nós aprendemos uma enormidade.

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