Frequento uma videolocadora de bairro. É perto de casa, baratinha e simpática. O problema é que o acervo é pequeno e eu já quase esgotei as opções. Remexendo os DVDs mais escondidos da estante “cinema europeu”, achei um filme inglês chamado Kinky Boots, uma autêntica fábula sobre empreendedorismo. É bem divertido. Foi lançado em 2005 no Reino Unido e não passou nos cinemas no Brasil. Como era moda na época (ou ainda é), baseia-se em fatos reais. O contexto inicial é meio parecido com Ou Tudo ou Nada, aquele filme em que operários vitimados por demissões na indústria siderúrgica em Sheffield resolvem se tornar strippers para ganhar a vida.
Kinky Boots se passa em outra cidade tradicionalmente industrial, Northampton (região central da Inglaterra). Uma fábrica de sapatos costurados a mão está prestes a fechar por causa da concorrência das importações baratas. O filho do dono, Charlie Price, não quer saber de herdar a empresa. Formado em arquitetura, vai morar em Londres com a mulher, felicíssima por ter saído do ambiente limitado de Northampton. Mas o pai de Charlie morre de repente e ele é obrigado a voltar, muito contrariado. Numa noite, por acidente, conhece uma drag queen que faz shows em boates. Quando não está “montada”, a drag queen é um homem alto e forte, que sofre com as botas de cano longo disponíveis no mercado, porque o salto fino sempre quebra sob seu peso.
O neoempresário, ainda relutante, mas pressionado pelos funcionários da fábrica, encontra um nicho para redirecionar seu negócio. A empresa passa a se especializar em sapatos para drag queens. O filme mostra os conflitos de vocação do herói, seus embates com a mulher, o difícil processo de aceitação do “mundo drag” numa cidade provinciana e o aprendizado em lidar com empregados de um tempo em que a expressão “empresa familiar” significava também uma grande e leal família operando as máquinas. É bem-humorado e agradável, com aqueles bons atores que a gente conhece de vista, mas não de nome. Vale a pena procurar. Um dos extras do DVD é um documentário sobre a fábrica verdadeira que deu origem à história, que se chama WJ Brooks e vende a linha inovadora sob a marca Divine Footwear.
Fuçando no Google, descobri uma lista de “grandes empreendedores do cinema” num post antigo no site da revista Entrepreneur. A lista inclui Kinky Boots, além de Cidadão Kane, Os Caça-Fantasmas, Carros e Alta Fidelidade, entre outros filmes. O texto destaca uma situação comum no mundo empresarial, a dos herdeiros que são levados a encarar uma missão inesperada e contrária à sua vontade (esse é também um dos temas de O Poderoso Chefão, embora neste caso a “empresa” traga consigo uma carga bem mais pesada de dilemas).
Kinky Boots me levou a pensar na situação da simpática locadora. Nos últimos tempos, está abrindo as portas mais tarde para economizar, o que me obriga a entregar os DVDs no cabeleireiro ao lado, que ajuda o vizinho a tentar fazer frente à crise causada pela “pirataria e a internet”, como me disse um desolado atendente. O que poderá o proprietário fazer para dar uma virada na maré e reverter a fuga de clientes? Talvez um estudo de mercado possa ajudar.