A teoria do vale da estranheza, formulada na década de 1970 pelo professor de robótica Masahiro Mori, discorre sobre o gap de sentimentos entre o que o Wall-E e um robô industrial nos proporciona: o nível de humanização de um robô é proporcional ao tamanho de carisma que se sente pelo ser. A criaturinha criada pela Pixar demonstra curiosidade, carinho por outros personagens e noções morais, mas uma prensa não desperta nada aos observadores, em comparação.
O vale da estranheza afeta os robôs que possuem grande semelhança com humanos, mas com alguma característica fora de lugar. A aparência do ser robótico se torna desconfortante e, em alguns casos, revoltante. Quando essas falhas são ajustadas e a aparência do robô se afina ainda mais com as características humanas, o carisma do ser volta a aumentar e sai de vez do tal vale. O gráfico abaixo, retirado da página da Wikipédia sobre o assunto, demonstra a teoria:
Zumbis agem de maneira inquietante para grande parte dos humanos – o que desperta um senso de perigo quase automático
Em um lado da imagem mora o fotorrealismo ou uma réplica perfeita de um humano real, sendo que as estilizações residem no meio. O gráfico explica, por exemplo, a popularidade dos mortos-vivos como inimigos nos filmes, séries e videogames. Na teoria, os zumbis se enquadram no ponto mais baixo possível da escala, agindo de maneira inquietante para grande parte dos humanos – o que desperta um senso de perigo quase automático. Algum dos maiores símbolos dos jogos, como Mario, Sonic e Kratos, também se encontram logo antes da transição de cartunesco para desconcertante – e, por mais que tanto Mario quanto Kratos sejam figuras humanas, é impossível confundir algum dos dois com humanos reais. A estilização não deixa espaço para a confusão.
Por outro lado, temos “L.A. Noire”, da Team Bondi. A obra recria uma Hollywood da década de 40, protagonizada por um detetive iniciante, e, na corrida para tirar o atraso antes do início da geração que vem, decidi dar uma chance ao título publicado pela Rockstar. Todo o conceito do jogo se baseia no julgamento de diversas testemunhas – expressões faciais, cacoetes e reações corporais entregam os culpados, assim como lágrimas sinceras e uma voz embargada livra a cara dos que não estão envolvidos. Intitulada MotionScan, a tecnologia do estúdio australiano Depth Analysis que dá vida aos exageradamente expressivos personagens de “L.A. Noire” é uma combinação de scaneamento facial e algoritmos que capturam a face dos atores, convertendo as imagens para modelos 3D.
Cruzar o vale não é fácil e “L.A. Noire” é quase a maior prova de que a tecnologia que temos atualmente não é exatamente o bastante. Aliada ao uso do MotionScan no jogo está a atuação de gente como Aaron Staton, responsável pelo papel do protagonista Cole Phelps, que gastou cerca de 80 horas nas salas do estúdio, segundo a equipe do Team Bondi em entrevista para o Gizmodo.
Existe apenas um espaço bem pequeno para os desenvolvedores errarem na mão na hora de recriar um humano real
Assistir os personagens moverem seus lábios, suas rugas, seu olhos e ganharem traços de expressões ao ficarem nervosos desperta uma sensação curiosa – o excesso de detalhes perturba. Ver um modelo 3D tendo reações tão críveis, ao mesmo tempo em que seus movimentos possuem certa rigidez, é algo mais impressionante do que o enredo da história cheia de sangue da Hollywood decadente que dá pano de fundo a obra.
Ainda dentro da teoria de Mori, “L.A. Noire” pode ser usado pra demonstrar novamente as reações críveis, mas de maneira bem mais extrema. O vídeo abaixo, lançado pela Team Bondi, traz alguns erros de gravação da equipe de atores do jogo, que, em alguns momentos, praticam movimentos totalmente naturais e fora do script, como ataques de risada e falhas na dicção. O contraste entre a movimentação e a rigidez dos modelo é perturbadora:
A aposta da Team Bondi para encontrar a saída do vale foi tentar se aproximar ao extremo da animação de uma pessoa real – o que também parece ser o objetivo dos jogos de esporte, guerra e outras megaproduções, como “Heavy Rain” e o novo projeto da Quantic Dream, “Beyond: Two Souls”, que traz nomes como Ellen Page e Willem Dafoe em seu elenco.
Na falta de dinheiro para desenvolver e usar tecnologias de ponta, muito jogos optam pela estilização
O que a teoria prova é que existe apenas um espaço bem pequeno para os desenvolvedores errarem na mão na hora de recriar um humano real, caso o objetivo seja o fotorrealismo. A movimentação também é igualmente importante, já que não basta um personagem agir como humano ou fazer coisas de maneira parecida com humanos, o necessário é que as animações sejam suaves e realistas.
Na falta de dinheiro para desenvolver e usar tecnologias de ponta, alguns jogos como “Dishonored”, com seus personagens distorcidos o bastante para ficarem carismáticos, mas não o bastante para caírem no total cartunesco, e até o recente “BioShock Infinite”, se enquadram nos padrões de estilizações.
A estilização é uma tendência que diversos desenvolvedores independentes seguem. “Journey”, lançado para PlayStation 3 em 2012, foi aclamado por premiações importantes e não tenta, em momento algum, te transportar para um deserto realista e pacífico – a thatgamecompany foi pelo caminho exatamente oposto, criando um universo totalmente estilizado, colorido, saturado e emocionante, mesmo sem uma tecnologia pesada por trás.
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Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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