O brasileiro está cansado de remar num barco travado por uma âncora pesada. É hora de o país fazer as reformas que permitam crescimento mais elevado e sem sobressaltos
Uma das imagens mais eloquentes para o esforço, na literatura brasileira, foi criada pelo cronista Nélson Rodrigues. Quando se referia a alguém que suava em busca de um objetivo, ele escrevia: “Trabalhou como um remador de Ben-Hur”. O protagonista do filme estrelado por Charlton Heston é um rico negociante judeu que, com a dominação romana na Galileia, torna-se escravo e é obrigado a remar exaustivamente numa galera. Diante da notícia do crescimento de apenas 2,7% na economia brasileira em 2011, divulgada na semana passada, o brasileiro que trabalha duro se sentiu pior que o remador de Ben-Hur. A barca em que nos esfalfamos diariamente, além de pesada, é travada por uma âncora, por isso dificilmente sai do lugar. O índice de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) não é apenas um número abstrato que os economistas calculam, os políticos divulgam e os analistas discutem. Dele depende, em última análise, nossa vida. Os aumentos e as promoções que recebemos no trabalho e também as novas oportunidades de emprego. Pensando na barca, e não apenas no remador, ele influencia também a ascensão dos brasileiros mais pobres e a redução de uma infinidade de problemas, da mortalidade infantil à violência urbana.
Para nós, seria bom que a economia avançasse entre dois limites de velocidade importantes. O limite mínimo é 3% ao ano, fundamental para criar o cerca de 1,5 milhão de empregos anuais necessários apenas para absorver os novos profissionais que entram no mercado de trabalho. Também precisamos superar esse limite mínimo para tirar mais e mais brasileiros da miséria e da pobreza – apesar da melhora dos últimos anos, ainda há quase 50 milhões de pessoas nessa situação. Se o país crescer em ritmo inferior a esse limite, como ocorreu em 2011, não estará avançando, e sim arrastando-se, sem conseguir se aproximar do tão sonhado destino de se tornar uma nação desenvolvida.
O limite máximo, conhecido entre os economistas como “PIB potencial”, mostra o ritmo em que o país pode acelerar sem explodir o motor – sem que a inflação dispare. Há dois anos, acreditava-se que ele passava dos 5%. Um número crescente de economistas vem duvidando desse número. Como o Brasil já vem se expandindo, mas investe pouco na capacidade de produção futura – infraestrutura e capacitação da força de trabalho –, o PIB potencial pode girar em torno de 4% ao ano, talvez menos. O país precisa elevar esse limite. Mas a pergunta que todos se fazem é: “Por que é tão difícil crescer, mesmo nessa faixa pouco ambiciosa?”.
A crise global representa, neste momento, uma resposta tão fácil quanto enganadora. A crise realmente atrapalha os planos de todos, de pequenos empresários aos governos mais poderosos do mundo. Todos os países tentam comprar menos e vender mais, e isso torna o mercado pior para todos. Mas a crise não impediu que países em nível de desenvolvimento parecido com o nosso, como Argentina, México ou Turquia, andassem mais rapidamente (leia na tabela abaixo). O Brasil cresceu menos do que precisava em parte por causa da crise, mas principalmente por seus próprios pecados – o governo federal vem protelando uma lista de mudanças que têm de ser feitas para que o país possa continuar avançando. “Já fizemos algumas reformas importantes desde a década de 1990, como a abertura comercial, as privatizações, o Plano Real e a melhor distribuição de renda. Essas reformas dão a possibilidade de o país crescer mais. Mas falta fazer algumas coisas”, diz José Alexandre Scheinkman, brasileiro e professor de economia na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Scheinkman e vários outros economistas ouvidos por ÉPOCA destacaram os principais entraves na corrida pelo crescimento – e sugeriram algumas maneiras de superá-los. Eles se encadeiam como os elos da corrente de ferro que ilustra a capa desta edição – elos que precisam ser removidos para libertar os brasileiros, em sua corrida rumo ao time dos países desenvolvidos.
PARA O FUTURO
Linha de montagem de peças para navios na Coreia do Sul. O país cresce apoiado em alto investimento na capacidade de produzir (Foto: Jo Yong hak/Reuters)
AUMENTAR O NÍVEL DE INVESTIMENTO
A economia de um país avança de modo equilibrado quando se apoia em duas pernas – consumo e investimento. O consumo exige investimento maior para elevar a produção e a oferta de mercadorias. E o investimento permite produzir mais e atender o consumo futuro. Se uma perna avança, é fundamental que a outra avance também. Investimento demais sem consumo correspondente gera a suspeita de que os projetos, como novos prédios de escritórios, fábricas, usinas de energia e estradas, não se pagarão no futuro. Essa suspeita recorrente pesa sobre a China, onde o nível de investimento corresponde a quase 50% do PIB – e os cidadãos compram pouco. O Brasil sofre do mal oposto. Os cidadãos e as empresas vêm consumindo mais, mas nossa taxa de investimento está próxima de 18% do PIB, nível inferior à faixa de 20% a 25% considerada saudável para garantir o crescimento futuro sem inflação. A taxa vem crescendo desde 2003, mas muito lentamente. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prevê que ela passe dos 20% neste ano e atinja 24% em 2014. Ele fez a mesma previsão no ano passado, mas ela não se confirmou.”O Brasil investe pouco porque o governo perdeu a capacidade de poupar, por causa do crescimento dos gastos correntes desde a Constituição de 1988″, diz o economista Edmar Bacha, um dos criadores do Plano Real e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica. “No setor privado, o investimento é baixo por causa da carga tributária sufocante e do alto custo do capital.”
Nesse cenário, o governo tem dois papéis. Primeiro, sem tirar um tostão do
bolso, ele pode criar condições atraentes para que o setor privado invista em setores em que o país é frágil, como aeroportos, portos e energia. Seria preciso formular regras claras e tirar do papel, também, as reformas tributária e trabalhista – removendo, assim, bolas de ferro gigantes atadas à canela do setor privado. O primeiro passo nessa direção foi a reformulação das aposentadorias do setor público, aprovada na semana passada. É, no entanto, uma medida para o futuro. De acordo com cálculos otimistas, ela só liberará mais recursos para investimento dentro de no mínimo dez anos. A reforma trabalhista – tremendamente necessária desde que a Constituição de 1988 encareceu enormemente a mão de obra brasileira – continua no papel.
Segundo, o Poder Público tem de investir mais por conta própria. Isso só é possível quando o governo consegue poupar. A solução, nesse ponto, seria um aumento de eficiência, de preferência combinado a um corte de gastos (leia mais sobre isso no próximo item). Quem fez isso de modo exemplar foi a Coreia do Sul, que tem mantido seu ritmo de investimento em 27% do PIB, ano após ano. Trata-se de uma taxa alta, mas não absurda. O resultado foi a disparada dos coreanos rumo ao topo de todos os rankings internacionais de eficiência, competitividade e educação. Elevar o investimento público depende, portanto, de uma solução anterior: aumentar a poupança pública.
O GOVERNO TEM DE GASTAR MENOS E MELHOR
Além de gastar muito, o governo brasileiro gasta mal. Não consegue resultado de alta qualidade em segurança, educação ou procedimentos burocráticos. A boa pesquisa básica feita no país tem poucas consequências na criação e difusão de novas tecnologias. Com educação ruim e pouca tecnologia à disposição, o trabalhador brasileiro produz menos do que poderia. Um estudo feito em 2011 pela Universidade de West Virginia, nos Estados Unidos, colocou o Brasil em 44o lugar em eficiência do gasto público, entre 59 países pobres e em desenvolvimento (Argentina, Indonésia e México lideraram o ranking). Entre os grandes países desenvolvidos, chamam a atenção os exemplos da Alemanha e da Noruega, que têm nível de gasto público similar ao do Brasil – com uma qualidade de serviços incomparavelmente melhor – e se esforçam para impedir que ele cresça. Na pesquisa feita em West Virginia, o governo norueguês ficou em 1o lugar e o alemão em 8o, em eficiência de gastos, entre 24 países ricos.
Mesmo com esses indicadores, há quem ache que o Brasil é um exemplo de administração pública. Isso ocorre em parte por causa da crise global, que deteriorou as contas públicas de quase todos os países relevantes. No cenário internacional, o Brasil passou a parecer melhor, sem precisar fazer força. A dívida pública e o gasto governamental, próximos de 60% e 20% do PIB, respectivamente, inspiram inveja em outros governantes e são apresentados como benignos pelos nossos.
Quando se examina o caso de perto, no entanto, a falácia do modelo fica evidente. O Brasil tem um problema peculiar: o governo pede dinheiro emprestado continuamente (isso ocorre em todos os países) e, ao fazer isso, paga ao mercado os juros mais altos do mundo (isso ocorre só por aqui). Se gastasse menos, diminuiria a pressão de alta nos juros. “O governo não demonstra disposição em resolver essas coisas porque sabe que fazer reforma consome capital político, e os resultados não aparecem no curto prazo”, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e consultor da Tendências.
Em português claro: cortar gastos desnecessários desagradaria ao Congresso, algo que poderia ser fatal num país com o sistema de governo brasileiro, onde a adesão dos deputados é mendigada voto a voto mediante emendas. “No caso específico do “pibinho” de 2011, debito o resultado aos excessos de 2010, que foi um ano eleitoral. Só no fim do ano, após a eleição, o governo foi tirar os estímulos criados para enfrentar a crise de 2008. Aí, desequilibrou”, diz Loyola. Por gastar muito e com pouca eficiência, o governo avança no bolso dos cidadãos e das empresas, o que nos leva ao desafio seguinte.
CORTAR E SIMPLIFICAR OS IMPOSTOS
O cidadão brasileiro está certo ao estranhar como ele pode trabalhar tanto e o país crescer tão pouco. Parte da mágica do sumiço da riqueza ocorre porque 24% do que se produz no Brasil vai para o governo federal e 11% para os governos estaduais e municipais, na forma de tributos. Esse nível de impostos de 35% do PIB só encontra paralelo em países desenvolvidos – onde, como todos sabem, a qualidade dos serviços públicos é infintamente melhor que no Brasil. Mesmo esses países percebem que o sistema precisa se tornar mais inteligente (e não apenas mais eficiente na cobrança, como ocorre no Brasil). Um bom sistema de impostos não incentiva algumas atividades econômicas em detrimento de outras – como faz o Brasil, a pretexto de criar uma “política industrial” –, nem consome esforço demais para seu cumprimento. O Canadá vem mostrando empenho notável nesse campo, desde antes da crise. Lá, na última década, caiu a carga de impostos para pequenas empresas e para famílias. Entre os casais com dois filhos e renda próxima da média nacional, o corte foi de 18% para 13% do ganho anual. “As causas da perda de competitividade do Brasil são bem conhecidas: têm muito a ver com excesso de tributos, péssima infraestrutura, energia cara e falta de mão de obra”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e diretor da MB Associados. “O que me frustra é que não vejo políticas adequadas sendo desenvolvidas para resolver os problemas. O curto prazo e o resultado do PIB no ano é que têm comandado as decisões econômicas.” (Leia mais sobre os problemas e as soluções para a indústria brasileira.) O acúmulo de impostos, regras e dificuldades nos leva ao quarto grande desafio para destravar o crescimento.
MELHORAR O AMBIENTE DE NEGÓCIOS
Para crescer, um país precisa que parte de seus cidadãos considere mais vantajoso abrir um negócio próprio do que procurar emprego ou prestar concurso público. Também é importante que as companhias já existentes, nacionais e estrangeiras, consigam prestar mais atenção aos negócios e aos clientes do que às mudanças de regras, normas, alíquotas e entidades fiscalizadoras. Por fim, o cidadão precisa conseguir fechar rapidamente um negócio que não deu certo, a fim de partir para seu projeto seguinte. Nada disso ocorre no Brasil. Tempo, dinheiro e energia que deveriam ser dedicados a criar estratégias, produtos e serviços acabam drenados por exigências burocráticas, juros altos, burocracia e falta de funcionários com boa formação.
No ranking internacional Doing Business (Fazendo Negócios), uma avaliação do ambiente em que as empresas precisam trabalhar, o Brasil não mostra avanço consistente. Em alguns quesitos, conseguimos melhorar. Mas os números sempre servem de alerta. O número médio de dias necessários para abrir uma empresa no país caiu de 152 para 119, desde 2006. No mesmo período, o México reduziu esse tempo de 58 para nove, um dos cortes mais impressionantes no mundo. É o tipo de reforma que não consome dinheiro do governo e traz retorno seguro na forma de impostos. “O aumento do papel do Estado no investimento não afetou nem vai afetar essa situação (de baixo crescimento)”, diz o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e diretor da empresa de investimentos Rio Bravo. “Pouco foi feito para melhorar o ambiente de negócios e para fomentar o setor privado. Políticas “verticais” (para setores específicos) não substituem a ausência de reformas que alcançam a todos.”
Enquanto esses desafios não forem enfrentados, o país continuará crescendo de forma errática, oscilando entre a euforia de alguns anos bons e a decepção com os anos seguintes. Com as reformas pendentes, a economia não ganha o impulso necessário e precisa ser empurrada aos trancos por pacotes de ocasião do governo – bons, às vezes, para decidir uma eleição, mas ineficazes para colocar o país, a longo prazo, no rumo que todos desejamos.
Autor(es): MARCOS CORONATO E JOSÉ FUCS COM NATHALIA PRATES
Época – 12/03/2012