Recentemente tive a oportunidade de assistir um documentário na Matilha Cultural chamado “As margens do Xingu: Vozes não consideradas” (Direção de Damià Puig, 2010), uma produção vencedora do festival de Paulínia na categoria “Documentário”.
A usina de Belo Monte não é tema novo nesta coluna. Já discuti alguns pontos quando escrevi “A questão energética mundial”. Porém, devido aos recentes dados que me foram apresentados tanto pelo documentário como pelo debate que ocorreu após a exibição, me sinto no dever de voltar a discutir o tema com os leitores. Belo Monte será considerada a 3º maior usina hidrelétrica do mundo. Com uma capacidade instalada de 11 mil MW e um custo de construção de R$ 30 bilhões de reais, oriundos dos cofres públicos. Porém, devido ao regime de cheias do Rio Xingu, estima-se que a usina aproveite, em média, 39% da capacidade.
Belo Monte é cercada de polêmicas. Tanto que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), pediu para interromper a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte até que os indígenas sejam devidamente ouvidos.
Depois de ser cobrado pela Comissão para responder às acusações de que estaria ignorando essas populações – que serão afetadas pela obra – no processo de consultas públicas, o governo proferiu críticas severas à autoridade da CIDH por esse tipo de questionamento. Além de cancelar a indicação de Paulo Vannuchi, ex-ministro da área de Direitos Humanos, a uma cadeira na mesma Comissão e chamar de volta seu embaixador na OEA.
Os custos sociais desta obra ainda estão sendo estimados, e grande parcela da população, principalmente a indígena, não foi ouvida. Por isso, uma série de ações na justiça estão acontecendo e mesmo assim as obras continuam. Com isso, alguns números começam a servir de indicadores importantes. Como o fato de que, embora o futuro reservatório tenha cerca de 600km², o impacto pela migração de populações, obras secundárias e outros fatores serão da ordem de 5.300 km². Isso em uma região com ecossistema ainda desconhecido.
Alguns reflexos já podem ser sentidos, como o aumento da violência na região de Altamira e Vitória do Xingu, que cresceu no primeiro semestre algo como 28%. A expectativa oficial é que a população dobre nos próximos anos. Será que os sistemas de saúde, educação, moradia e transportes, já ineficientes, conseguirão atender essa demanda?
A justificativa principal para a construção de Belo Monte é a crescente demanda de geração de energia, principalmente para exportação de minérios de ferro. Mas, segundo estudo da Universidade de São Paulo, se fossem renovadas, as turbinas das hidrelétricas com mais de 20 anos poderiam gerar mais de 8 mil MW de energia que Belo Monte. Ainda há algumas medidas a médio e longo prazo, como o aumento da eficiência energética. Segundo os pesquisadores da Unicamp, se elas fossem aplicadas, poderiam diminuir a demanda quase pela metade.
Embora exista um crescimento da demanda energética do Brasil e recentemente tenhamos vivido apagões devido a problemas na rede, além da incapacidade de suprir a demanda ou problemas de gerenciamento, ainda existe espaço para maior eficiência e redução de custos. Mais do que isso, a região amazônica, com seu ecossistema peculiar, necessita da criação de um modelo próprio de desenvolvimento, levando em consideração os fatores ambientais e sociais, que são muito frágeis.
O modelo de hidrelétricas é interessante, se comparado com termelétricas ou nucleares, mas ainda assim tem um custo ambiental alto. Por isso, lições com Tucurui, Sobradinho, Itaipu precisam ser aprendidas. Mais rapidamente que essas lições, a construção de Belo Monte avança destruindo a floresta e cercada de inúmeras controvérsias.
Andreia Cristina Gondim é bióloga e pós-graduada em Administração de Empresas, e consultora da Green Domus Desenvolvimento Sustentável.