Estréia de “Padre 3D” é mais que um simples lançamento cinematográfico, pelo menos para o diretor Scott Stewart, apostando na redenção de seu personagem principal para gerar sua própria salvação como diretor. Ele é o exemplo clássico de alguém extremamente criativo, que migrou para a direção de forma arriscada e precisou aprender muito com seus erros recentes para não jogar a carreira no lixo.
É meu quarto encontro com o diretor Scott Stewart, que, na falta de melhor definição, é um nerd sem medo de dar a cara a tapa. Seu nome é pouco familiar, entretanto, seu trabalho está espalhado por aí em filmes como “Marte Ataca!”, “Sin City – A Cidade do Pecado”, “Piratas do Caribe 3″ e “Homem de Ferro” quando trabalhava na área de Efeitos Visuais.
Lá pelos idos de 2008, Stewart decidiu encarar a direção e convenceu a Sony, com seu selo indepentente, a Screen Gems, a financiar seu primeiro filme: “Legião” (Legion, 2010). Foi por conta dele que conheci o sujeito, na Comic-Con 2009, quando ele era só empolgação, peito estufado e certeza na mistura de religiosidade, ação e Paul Bettany. A bilheteria baixou sua bola e a destruição angelical provocada pela crítica fez milagres.
Anos mais tarde, quem está sentado no sofá é o barbudo e compenetrado Scott Charles Stewart – com seu nome completo – um diretor mais pé no chão, consciente ao extremo e bastante aberto. Uma coisa não mudou: bate no peito e defende cada decisão com paixão.
Bem, e há como esperar menos de um cara que tinha tudo para ter dado errado e conseguiu uma nova chance com um filme de mais de US$ 60 milhões e Paul Bettany no elenco? O resultado de tudo isso é “Priest 3D”, estréia dessa semana nos cinemas brasileiros.
Vampiros, igreja opressora, padres bons de briga e um vilão estiloso fazem parte desse universo criado pelo coreano Min-Woo Hyung, em seu quadrinho. Mas não deixe a combinação “vampiros + Stephen Moyer (“True Blood”) + Cam Giganget (Crepúsculo)” te enganar. Ali ninguém brilha no sol, sexo não é usado como intervalo entre cenas dramáticas e o clima está mais para fim dos tempos do que vamos ser amigos.
Essencialmente, trata-se de um remake do clássico “Rastros de Ódio” (The Searchers, 1956), filme de John Ford e estrelado por John Wayne. Scott Charles Stewart concorda com as similarides e, em entrevista exclusiva, conta ao Brainstorm9 como o processo criativo de “Padre” aconteceu, de conversão para o 3D – desnecessário, aliás – e da importância fundamental do design de produção nesse projeto.
Scott Stewart e Fábio em Los Angeles
“Como todo filme, o roteiro é o ponto de partida, mas nesse caso tivemos o apoio da HQ”, explica o diretor, que se envolveu em Padre 3D depois de anos de desenvolvimento pela Sony.
“Esse momento é determinante para mim, mas por uma razão bem especial. Muita gente se empolga pelo estilo do texto e pelos personagens, certo? Eu preciso ficar desesperado para começar a desenhar e, imediatamente, visualizar algo cool. Se isso não acontece, meu envolvimento diminui. O tesão vai embora, sendo bem direto (risos)”.
Essa relação explica bem a escolha pela temática do faroeste disfarçado para seu primeiro grande filme, afinal, os formatos estão ali, prontinhos, basta acertar no visual e trabalhar intensamente com os atores. E com Paul Bettany e Karl Urban no elenco a coisa fica bem mais simples.
“É fácil se perder em meio a tantos elementos e possibilidades visuais, mas todo bom faroeste aposta na atuação e em detalhes relevantes. Caso contrário, pode ficar bonito, mas sem sal”. Numa das cenas, o design de produção evocou outro clássico, “No Tempo das Diligências” (Stagecoach, 1939), também de John Ford.
Stewart tem um caminho claro em termos de temática e está envolvido com o fantástico até a última linha de DNA. Em “Legião”, extrapolou uma eventual guerra entre Arcanjo Miguel contra todo o exército de Deus. Em “Padre”, trabalha um universo paralelo no qual a luta entre Humanidade e Vampiros dura milhares de anos e, em seu próximo filme, “The Mortal Instruments”, também abordará o gênero com uma criatura misteriosa. “Mas vai ser muito menor dessa vez e sem 3D”, brinca.
“Padre” foi filmado em formato tradicional e, durante a segunda metade do processo, chegou a ordem da Sony para a conversão. “Ganhamos um pouco mais de profundidade e isso valorizou os cenários, mas já suspeitávamos da predileção do estúdio e tudo foi filmado com isso em mente”, explica Stewart, que supervisiou pessoalmente a conversão ao longo de seis meses. “Se eu não gostasse de um frame, tudo voltava. Sabemos os estragos que um 3D ruim causam a um filme”. Pois é, “Fúria de Titãs” virou referência apocalíptica em Hollywood.
Scott não podia errar por outra razão, seu pescoço está em jogo. “Legião” foi um fiasco e “Padre 3D” é arriscado por natureza. Filme de gênero nunca é bem visto pela “crítica séria” e isso prejudica as bilheterias, além do simples fato de se tratar de um filme sobre um Padre Casca-Grossa que só sabe matar Vampiros mostruosos.
“Legião era um filme muito pequeno, não custou nem US$10 milhões, e criou-se muita expectativa em torno dele”, comenta o diretor, que escalou Dennis Quaid e Paul Bettany.
“E, na boa? Era um filme dentro de um restaurante no meio do nada! Em termos de estúdio, era tão pequeno que não houve screenings de teste e o pessoal não dava muita atenção em termos estratégicos. Penso que era filme de pequeno porte com reação crítica, e de público, de filme grande. Isso aqui [trabalhar para os estúdios] é um esporte full contact, e fica cada vez pior!”.
O diretor Scott Stewart e Paul Bettany no set de Legião
Nem é preciso dizer que Padre 3D foi exibido para o maior número possível de amigos, editores e diretores disponíveis. Gato escaldado não erra duas vezes.
Em termos de evolução profissional, Stewart também comenta o aprimoramento do pipeline dos estúdios e algumas coisas obrigatórias para os iniciantes: “Falar do orçamento pode parecer bobagem, mas há custos embutidos que ninguém calcula e, quando você chega nas filmagens, descobre ter alguns milhões a menos e faz diferença. Ter um produtor experiente com o estúdio em questão ajuda, pois ele já preve essas coisas”, conta.
Entre os “musts” que Stewart aprendeu na porra estão os custos “invisíveis” das diárias de estúdios, pessoal extra e testes de efeitos que se transformam em problemas na hora do pagamento. “Fiquei muito mais esperto dessa vez e a dor de cabeça foi menor, mesmo como orçamento 6 vezes maior”. Embora mais confortável com os meandros, a grande cartada de Stewart foi apresentar um vídeo de 4 minutos, simulando uma panorâmica numa cidade pós-apocaliptica mostrando o clima desejado.
Foi um momento feliz para a Sony, que ainda estava perdida com reuniões intermináveis, sem um diretor fixo e um produto sem rumo. “Cheguei com uma ideia bem definida. Eles precisavam disso, gostaram do conceito e seguimos em frente”, comenta o diretor.
Porém, estamos falando de um grande estúdio e disputas criativas vão acontecer. Por exemplo, a cena de abertura feita em animação tradicional só foi aprovada da maneira vista nos cinemas graças à insistência de Stewart e, pouco depois, pelo proibitivo custo de sua produção em live action.
“Queriam tudo aquilo em carne e osso, depois que fosse um simples texto na tela, e eu disse desde o princípio: ‘não vai dar, vai ficar caro, demorado e é melhor usar HQ, que é uma boa referência à mídia original’”. A Sony só foi convencida pelo custo. Ponto para o diretor.
“Diretores imigrando da publicidade, das áreas técnicas e do videoclipe costumam deixar executivos empolgados com novas ideias, mas é preciso aprender a entrar na dança com grande velocidade ou você é descartado sem perceber. Sempre vai ser assim”, alerta Scott Charles Stewart.
“Ideias ainda funcionam como força motivadora e abrem portas, mas elas tem vida curta e precisam ser apoiadas por outras habilidades de gerenciamento e relações interpessoais. Isso não é novidade, mas vale a pena lembrar”.
“Padre 3D” estréia nessa sexta. Não assista se não gostar do gênero ficção científica ou fantasia e, mesmo se gostar, fique longe do 3D. A conversão foi bem feita e não machuca, mas também não agrega. Compre mais pipoca!
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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