Assustados, extasiados e até reféns diante da grandeza da TV Globo, os brasileiros, de modo geral, evitam discussões que os obrigam a colidir com o modelo padronizado e monopolista da emissora carioca. A ausência da crítica se converte em adoração a um padrão de programação que fatalmente não pode ser imitado por nenhuma outra emissora. A TV Globo se vale também das preferências que tem no mercado e cria um círculo de dominação das transmissões esportivas (futebol), das festas populares (carnaval) e da cobertura exclusiva de eventos jornalísticos. Gozam deste prestígio de exclusividade os seus altos funcionários e aqueles a quem o público conhece de cor e salteado por aparecerem todos os dias na tela da TV, seja em novelas, programas de variedades ou telejornais. Parece que a história da emissora sempre foi um conto de fadas, mas não fossem os militares e seu projeto de integração nacional via TV, qual seria o futuro da Globo?
A necessidade dos militares em expandir e propagar sua mensagem com o auxílio das telecomunicações encontraria na figura de Roberto Marinho, homem com coragem suficiente para desbravar os mais longínquos recantos do país através de sua emissora, carregando consigo a marca cruelmente indelével do sistema ditatorial. Em contrapartida, a Globo conquistaria a audiência maciça nos lares brasileiros, criaria um padrão incontestável nos seus programas e investiria em tecnologia de ponta como nenhuma outra empresa de comunicação no país. A emissora conquistou, além de preferência, poder. Construiu uma imagem institucional e moldou o imaginário popular brasileiro ao horário de sua programação. A TV Globo é imbatível, salvo os fantasmas do passado e as propostas do presente.
Quando se fala em marco regulatório, os grupos hegemônicos de comunicação neste país, as verdadeiras neo-oligarquias, transformam o termo e modificam o conceito para atestar que se tratava de um projeto contrário à liberdade de expressão, que serviria tão somente para o governo manipular o conteúdo informativo nas redações. O que a grande mídia não quer – e nisto se inclui principalmente a TV Globo, por sua dimensão e importância – é ser ameaçada em seu posto de superioridade. Para ela, as relações entre governo e empresas de comunicação devem se ater apenas aos fins de publicitários (campanhas políticas e promoção de organizações estatais).
Como acontece com as empresas de petróleo, com as operadoras de telefonia e com a saúde pública, a comunicação neste país deveria ser regulada por um órgão especial. Mas enquanto os interesses comerciais e a disputa desenfreada por poder ditar as regras do que deve ser feito, enquanto o sistema de troca de favores ilícitos e a guerra ideológica velada e latente cegarem o povo através da tela da TV, a sociedade brasileira sofrerá. É necessário discutir o que a mídia não debate, não expõe, porque essa deveria ser sua função. São feridas purulentas cicatrizáveis apenas com o bálsamo da verdade que integralmente ela não tem.
O detalhe da insatisfação
Todo domingo é dia de torcer. E dia de reclamar. O monopólio da TV Globo nas transmissões do futebol tem o aspecto de acordo obscuro com a CBF. Não há nada mais simbiótico no esporte brasileiro do que a relação entre a emissora dos Marinho e a seleção de futebol: chegam a ser indissociáveis. O torcedor já se acostumou a assistir os jogos do escrete canarinho com os mesmos comentaristas, o mesmo narrador e o mesmo padrão jornalístico. Isso é a pior consequência do monopólio. Existe uma obrigação do torcedor apaixonado, incapaz de abdicar do seu amor por causa de contratos, em compactuar involuntariamente com um modelo de dominação comercial disfarçado de paixão nacional.
Todos os assuntos pertinentes à TV Globo, se são críticas, se dissipam como fumaça no ar. Por outro lado, se são elogios, sobem aos céus como incenso em ação de graças. Entretanto, um aspecto deve ser levado em consideração: assim como todos os brasileiros, todas as instituições, todos os governos e os políticos, a TV Globo é, sim, passível de ser criticada, de responder às críticas populares que a ela se dirigem. Não está acima da lei, não deve interferir escandalosamente na política nem tomar partido. E, sobretudo ser ética com o povo brasileiro e consigo mesma.
Por Mailson Ramos, bacharelando do curso de Relações Públicas pela UNEB, colunista do Observatório da Imprensa e administrador do blog Opinião & Comtexto. @Mailson_Ramos
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