Por Ernesto Araújo para o Epoch Times
O Brasil ainda não produziu sua grande refundação.
Acabamos de completar 200 anos da fundação da nossa terra, e nunca as nossas velas estiveram tão longe dos seus ventos, nem os nossos ouvidos tão surdos aos seus apelos.
O processo de independência do Brasil, de 1808 a 1822, consistiu na transferência, para o Brasil, do antigo sonho imperial português. É templária, missionária, trazendo um chamado para restabelecer, aqui nas Américas, as profecias do “Quinto Império” anunciadas, unindo um senso de fé aventureiro e um senso de realidade humilde e perseverante – uma mistura tão comum aos portugueses espírito. Inspirado por esse sonho, o processo de independência do Brasil teve essa natureza inusitada: foi ao mesmo tempo o criador de algo nunca visto antes e o protetor de tradições que datam do alvorecer dos tempos.
Nossa fundação não foi uma ruptura, mas um renascimento. Se sondarmos a palavra “nação”, veremos nela a raiz latina “nat”, da qual também vem “nascer” (“nascer”) e “natureza”. Pois bem, o nascimento de todo ser se desdobra, necessariamente, em dois aspectos: a continuidade de seus antepassados e a revelação milagrosa de algo novo e único. Essa é a natureza das nações e dos indivíduos. No Brasil, porém, parece que a vivemos com mais intensidade do que outros, desde o nascimento do nosso país.
Então tivemos uma ruptura brutal: a proclamação da República em 1889 – nada mais que um “golpe” militar apoiado por grande parte dos oligarcas da época, e recebido com indiferença pelo povo. Porém, naquele ato descuidado, desprovido de qualquer heroísmo, o Brasil rompeu com seu passado e com seu futuro. Desde então, juntamos os cacos do nosso ideal, da nossa personalidade, tentando resgatar o nosso passado e o nosso futuro, as nossas origens e projetos. Desde então, esperamos o momento de uma refundação.
Embora a revolução de 1930 tenha reorganizado o poder das elites, foi um caso clássico de revolução descrito por Lampedusa em seu “Gattopardo”: mude tudo… para que continue o mesmo. O movimento de 1964, composto por militares e políticos civis, com intenso apoio do povo, aproximou-se do conceito de refundação, mas logo caiu em uma inércia defensiva e materialista, e tirou de seus ombros o fardo de limpar o Brasil. As transições de 1946 e 1985 mostram traços superficiais de renovação, mas ao mesmo tempo escondem um núcleo de continuidade. Os pactos das elites vão mudando de nome e de forma, mas sempre mantendo o mesmo poder – e como sempre surdos à fiel vocação do país.
Mas hoje algo pode nascer e renascer, duzentas primaveras depois. Pela primeira vez, em exatos duzentos anos de existência independente, vislumbramos a possibilidade de uma refundação – uma recomposição completa das estruturas de poder – vindo do povo, capaz de resgatar o espírito nacional, por tanto tempo mantido cativo.
A “Primavera Brasileira” está nas ruas e estradas, mas acima de tudo, no coração dos brasileiros. Exige a transparência do processo eleitoral, maculado pelo partidarismo da Justiça Eleitoral ao longo da campanha. Questiona a legitimidade da presidência ser ocupada por um homem condenado por ter formado, em anos anteriores no cargo, um gigantesco esquema de corrupção e, ainda, celebrado pelo crime organizado em sua suposta condição de “companheiro” de bandidos.
É um movimento dos desesperados que observam os tribunais, o Supremo e o Eleitoral, em suas decisões arbitrárias, em seu desejo agora manifesto de anular liberdades fundamentais. Daqueles que atraem a ira ao verem a falta de vergonha da mídia “convencional”, empenhada em demonizar e pisotear o próprio povo, pois se identifica totalmente com as elites corruptas. Um movimento dos impacientes que assistem à reverência e ao silêncio da imensa maioria dos eleitos, que parecem estar apenas esperando “passar” para voltar a costurar tranquilamente a colcha de retalhos de seus tratos, feitos com uma colcha de retalhos de roubo, mentiras e degeneração moral. Os que sentem o coração dilacerado pela angústia, ao presenciarem a palavra “democracia” transformada em chicote que fustiga a sagrada liberdade do povo de pensar, falar, duvidar.
As represas de um sistema corrupto, que por tanto tempo impediram essa emanação, podem ser rompidas. Da soma dessas revoltas, pode-se concluir o seguinte: Só a reconstrução completa do poder, vinda verdadeiramente do povo, permitirá ao Brasil curar a terrível doença que se apoderou do país, e que caminha para destruí-lo. O sistema se revelou como é, ou seja, uma ditadura – uma ditadura da cleptocracia, composta pelo Partido dos Trabalhadores, a esquerda, os partidos do centro do espectro e todos os velhos e podres mecanismos partidários; da mídia, em sua covardia e vontade de ceder aos poderes corruptos constituídos; do crime organizado; dos artistas e intelectuais, com seus pensamentos já exauridos pela “vigília”; da elite empresarial, aliada à política por seu “capitalismo relacional. ” E tudo isso com o apoio material e moral do globalismo “desperto”, da China, da Rússia e do Fórum de São Paulo – o grande eixo totalitário Pequim-Moscou-Teerã-Davos-Caracas. Todos esses elementos interagem e encontram um terreno comum no propósito de subjugar o povo e estabelecer uma sociedade de controle. Eles repetem no Brasil, com características próprias, um projeto em andamento e que avançou mundo afora – a ditadura mundial e o fim dos homens livres.
O povo brasileiro está começando a perceber rapidamente que todo o aparato do Estado – comunicações, econômico, educacional e eleitoral – está comprometido pelo crime. Todos os seus aspectos são cabeças da mesma hidra.
É o que leva o povo a desejar algo que não pode ser senão uma refundação – a refundação que nunca tivemos, mas que reinstaura o sonho original do Brasil e a missão civilizatória da independência: não ser apenas mais um país genérico, mas um grande nação deste mundo.
Essa velha e nova missão dos brasileiros é, de fato, vista também por populações do mundo todo. Uma refundação brasileira pode se tornar um precedente histórico antiglobalista, lutando para salvar a essência humana, as liberdades fundamentais e a dignidade diante da ditadura global, que destrói o sentimento mais íntimo do homem, em cujo coração, em meio à mentira e à escravidão, desperta hoje uma memória que ele é livre, um buscador da verdade e um filho de Deus.
Escrito por Ernest Araújo
Ernesto Araújo atuou como Ministro das Relações Exteriores do Brasil no governo do presidente Jair Bolsonaro de janeiro de 2019 a março de 2021. Como diplomata de carreira, ele também trabalhou nas embaixadas brasileiras em Ottawa, Berlim e Washington, entre outras. Atualmente é comentarista político e ministra cursos online sobre geopolítica e filosofia.