“Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário.” George Orwell
Conheci o trabalho de Jordan Peterson pela sua oposição ao projeto de lei no Canadá que criminalizou o uso de pronomes de tratamento indesejados por transexuais. Ou seja, pela primeira vez na história do país, uma lei impede a livre expressão. Peterson alegou que a questão não envolvia a defesa de transexuais, mas sim a imposição pelo Estado de uma forma de pensar e agir, o que é típico de regimes totalitários. A lei foi aprovada, mas a atuação de Peterson no caso o alçou à fama imediata, no seu país e no exterior.
Jordan Peterson é um professor de psicologia da Universidade de Toronto, especializado no estudo da estrutura dos sistemas de crenças e dos mitos e como tais estruturas influenciam a organização da sociedade e o comportamento dos indivíduos. Um dos focos de atenção do professor é o estudo do totalitarismo e suas causas.
Desde 2013, Peterson começou a gravar as suas aulas e disponibilizá-las no Youtube. Foi exatamente dessa forma que passei a ter contato com as ideias dele. Há um curso disponibilizado gratuitamente no seu canal, chamado “O Significado Psicológico das Histórias Bíblicas”, onde ele esmiúça as histórias bíblicas, explicando como ali está contido uma espécie de manual para entender o ser humano e a estrutura da realidade. Peterson alerta que a sua abordagem é focada em psicologia, não necessariamente no componente religioso ou metafísico da Bíblia, apesar dele não negar essas dimensões e até flertar com elas ao longo das apresentações.
Infelizmente a série não tem legendas em português, o que pode ser uma barreira para quem não tem um razoável conhecimento do inglês.
Peterson lançou recentemente um livro, “12 Rules for Life”, ou “12 regras para a vida”, representando um resumo das suas crenças e desdobramentos práticos delas no formato de dicas sobre como enfrentar os desafios da existência. Não deixa de ser uma simplificação do seu trabalho anterior, “Maps of Meaning: The Architecture of Belief”, mais denso e técnico.
Aí vai um resumo:
- A ordem é criada a partir do caos, a realidade nada mais é do que a tensão entre ordem e caos. Quanto mais conscientes formos, maior a nossa capacidade de extrair ordem do caos num processo dinâmico, já que a evolução permanente requer a solução de novos problemas, ou seja, de tempos em tempos heróis precisam explorar o caos para encontrar novas soluções. Tal relação entre ordem e caos está presente nos nossos mitos formadores, como por exemplo a história do homem que enfrenta e mata o dragão, ficando com o pote de ouro que ele escondia.
- Existem padrões de comportamento humano tão profundos e antigos que podem ser observados em animais que existem há milhões de anos. Um exemplo é o comportamento das lagostas, que apresentam uma sociedade hierárquica há mais de 300 milhões de anos, regulada por circuitos neurais que continuam presentes nas pessoas hoje.
- As tradições e mitos nada mais são do que a tentativa humana de compreender esses padrões e transmiti-los para as próximas gerações, ensinando assim um caminho para viver a vida da maneira mais adequada possível.
- O sofrimento é o ponto de partida para a compreensão da realidade. Existem dois caminhos possíveis para reagir ao sofrimento: o aumento da consciência e uma postura nobre e confiante na própria existência, produzindo a moralidade, ou o ressentimento e amargura que produzirão a revolta contra si mesmo, a sociedade e a realidade, criando o retorno ao caos.
- Apenas a coragem para buscar a verdade sistematicamente produz a evolução contínua do indivíduo e da sociedade. A verdade também é o antídoto contra o mal.
- O sacrifício é condição necessária para o sucesso.
“A fé não é a crença infantil na magia. Isso é ignorância ou mesmo cegueira intencional. É em vez disso a percepção que as trágicas irracionalidades da vida devem ser contrabalançadas por um compromisso igualmente irracional com a essencial benevolência da existência. É simultaneamente a vontade de se atrever a estabelecer a sua mira no inalcançável e sacrificar tudo, incluindo (e mais importante) a sua vida.” Jordan Peterson
Tais pressupostos nada mais são do que a base do pensamento conservador. Diferentemente do que muitos acreditam, o conservadorismo não representa a manutenção de uma sociedade estática, mas sim uma evolução segura da estrutura social ao longo do tempo, tomando como base as experiências e tradições mais antigas.
Jordan Peterson alcança o sucesso imediato porque ele consegue de forma brilhante expressar as verdades profundas presentes na nossa própria estrutura mental e espiritual.
Especialmente numa época de confusão, onde tais verdades estão sendo esquecidas ou propositalmente escondidas por ideologias revolucionárias, as aulas de Peterson representam um oásis no deserto, um farol que ilumina o caminho diante de um mar turbulento numa noite escura, especialmente para os jovens que são alvo hoje de pesada doutrinação esquerdistas nas escolas e universidades.
Não que ele sugira posturas fáceis. Peterson sugere trocar o mantra “seja feliz”, pelo “busque sentido na sua vida”. Segundo ele conta nas suas palestras e no seu último livro, depois de um bom tempo onde viveu sem encontrar um caminho para a vida, ele construiu as suas teses a partir da avaliação do sofrimento humano, a única coisa que não pode ser desconsiderada por qualquer ideologia ou mesmo pelo mais niilista dos sujeitos.
A fragilidade humana gera a certeza do sofrimento. Ao longo da vida, passamos por diversas situações onde a ordem se desfaz e o caos aflora, em menor ou maior grau. Pode ser o simples escorregão que produz um hematoma até o pesadelo de uma doença séria enfrentada por você ou por alguém que você ama.
Segundo Peterson, as eventuais tragédias inerentes ao tênue equilíbrio entre ordem e caos geram muito sofrimento, mas nada se compara ao sofrimento produzido pelo mal intencional. Eva e Adão comeram o fruto proibido do conhecimento e passaram a ter consciência da sua fragilidade. A partir desse momento, sentir dor significou também saber infligir dor.
Os filhos de Adão e Eva já demonstraram logo nos primeiros passos da humanidade a essência do mal, na forma de um fratricídio, onde Abel, o filho que fazia os sacrifícios corretos a Deus foi morto pelo seu irmão Caim, que aparentemente não tinha o mesmo sucesso. Segundo essa tradição, somos todos filhos de Caim.
“Na tradição cristã, Cristo é identificado com Logos. Logos é a Palavra de Deus. Aquela palavra transformou o caos em ordem no início dos tempos. Na sua forma humana, Cristo se sacrificou voluntariamente para a verdade, para o bem, para Deus. Em consequência, ele morreu e renasceu. A Palavra que produz ordem do caos sacrifica tudo, até a si mesma para Deus. Essa única frase, que contém sabedoria além da compreensão, resume o Cristianismo.”
Ter consciência da própria capacidade de fazer o mal é o primeiro passo para evitar tal comportamento, tanto do ponto de vista do indivíduo quanto do ponto de vista da sociedade. Todos nós gostamos de imaginar que caso vivéssemos na alemanha nazista, seríamos como aqueles heróis que salvaram vários judeus dos campos de extermínio, mas o mais provável é que assumiríamos a posição de um dos guardas desses campos, ou das pessoas que faziam de conta que não sabiam o que estava acontecendo.
A consciência da falibilidade humana ajuda a evitar a concentração de poder político nas mãos de poucas pessoas, pois a história mostra que por melhores que sejam as intenções apresentadas, quando as pessoas tem muito poder, o mais provável é a utilização desse poder para benefício próprio ou para levar a cabo a sua revolta contra a própria existência, seguindo os passos de Caim.
Essa visão de mundo apresentada por Peterson pode não ser a mais romântica, mas oferece um antídoto contra a destruição da estrutura social produzida pela ideologia que ele chama de pós-modernismo ou neomarxismo.
Tendo as suas origens na Escola de Frankfurt e ganhando corpo nas universidades americanas e europeias da década de 60 e 70, o pós-modernismo sugere que não existe uma realidade objetiva, mas sim a construção social da realidade. Ou seja, qualquer tipo de injustiça existente no mundo pode ser corrigida com a desconstrução de crenças e valores para a formatação de uma nova sociedade. Toda a discussão política se resume então à busca pelo poder.
Dessa forma, surge a “politica de identidade”. O ser humano não possui mais valor intrínseco, com direitos e deveres, mas sim tem valor apenas como integrante de um grupo. Os grupos então se organizam para buscar mais direitos ou reparações, pois seriam explorados pelo sistema social vigente até aqui.
Logo, negros devem contar com direitos e reparações especiais pois foram explorados na escravidão e e sofrem preconceito até hoje. Mulheres também, já que são oprimidas pela sociedade patriarcal, assim como índios, pessoas que tem outras orientações sexuais que não a heterossexual, pobres, membros de religiões específicas, cidadãos de países em desenvolvimento, entre outros grupos de “excluídos”. A lista de vítimas é infinita, mas os opressores são claramente identificados: a tradição judaico-cristão e a cultura ocidental, representada pelo sistema patriarcal e “branco”. Os valores morais que sustentam a sociedade ocidental, a religião e o seu sistema política fariam parte de uma estrutura opressora que precisa ser desmantelada. Saem de cena os proletários como agentes da revolução e entram em cena todo e qualquer sujeito que se sinta oprimido.
Se os agentes são diferentes, os resultados devem ser os mesmos das últimas tentativas de destruir a sociedade: fim da liberdade, sofrimento, fome, prisão, torturas e mortes.
A própria ciência está em risco, pois o método científico requer o teste de hipóteses e busca da verdade de forma fria e honesta. Pois os “justiceiros sociais” do mundo pós-moderno consideram tal abordagem como mais uma “estrutura opressora do patriarcado branco”, assim como a liberdade de expressão.
Não podemos esquecer que foi exatamente a civilização ocidental que produziu a maior evolução humana na história, o que beneficiou especialmente os mais pobres. A pobreza extrema é a menor já registrada, a expectativa de vida é a maior, o nível de conforto material é incomparável, os avanços na medicina são impressionantes. Não é exagero afirmar que na média os pobres de hoje tem uma vida melhor do que reis de 200 anos atrás. A escravidão, que perdurou por toda a história humana, foi voluntariamente encerrada pelos ocidentais, assim como o tratamento injusto das mulheres. Até hoje em muitos países não ocidentais, maridos tem o direito de bater nas suas esposas e homossexuais são executados em público. Pessoas são presas e torturadas apenas por criticarem seus governos.
É muito fácil criticar os problemas que enfrentamos no mundo, comparando o atual sistema político e social com uma utopia igualitária. Mas sempre que houve a tentativa de implementar utopias, os resultados foram catastróficos, para dizer o mínimo. O século XX é a maior prova disso, mas infelizmente 25% dos americanos que frequentam algum curso superior acreditam que George W. Bush matou mais gente que Stalin e 52% deles acreditam que o socialismo é preferível ao capitalismo. Isso ocorre mesmo com a chance que esses jovens tem de observar em tempo real o socialismo do século XXI de Chávez destruindo o outrora mais rico país da América Latina. Hoje 82% da população venezuelana está abaixo da linha da pobreza e 90% não consegue se alimentar de forma apropriada. Uma ditadura brutal foi estabelecida e o único sonho de quase todo venezuelano hoje é fugir do país, o que é cada vez mais difícil.
Jordan Peterson faz sucesso porque nos lembra da importância das nossas raízes, da complexidade da nossa alma e dos sérios riscos que estamos passando ao negarmos as nossas origens e valores. Ele apresenta um norte, especialmente para os jovens escravizados pelo esquerdismo radical que permeia o ambiente escolar e universitário, além da imprensa e do meio artístico.
Ele faz um apelo pelo resgate da coragem de encarar a vida com responsabilidade, honestidade, consciência e nobreza. Nas atuais circunstâncias, é um ato revolucionário. E necessário.
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