A vida de Irineu Evangelista de Souza, primeiro Barão, depois Visconde de Mauá, é uma verdadeira aula de empreendedorismo, e ensina tudo o que precisamos saber sobre sagacidade, motivação, persistência e perseverança diante de dificuldades. Considerado o primeiro empreendedor brasileiro, nasceu a 28 de dezembro de 1813, no interior do Rio Grande do Sul, vivendo, portanto, no Brasil Imperial. Não obstante, passou a maior parte da sua vida no Rio de Janeiro, onde viveu e realizou a grande maioria dos seus empreendimentos.
Homem dinâmico e proativo, Irineu Evangelista de Souza trilhou uma formidável carreira como empreendedor pelos seus próprios méritos, através de muito trabalho, esforço e sacrifício. Acreditando piamente que o progresso do Brasil estava necessariamente atrelado à industrialização, esteve à frente de inúmeras iniciativas, como a construção da primeira ferrovia – a estrada de ferro Mauá – a primeira fundição de ferro, a extração de recursos fluviais dos rios de norte a sul do país, e a conexão entre a América do Sul e a Europa através de cabos telegráficos, para citar apenas algumas áreas nas quais o Visconde de Mauá foi pioneiro. Homem de extrema sagacidade e iniciativa, não se deixava abalar por obstáculos e dificuldades de nenhum tipo. Motivado, audacioso e persistente, era um homem à frente do seu tempo. No auge da sua carreira, era proprietário de dezessete empresas, localizadas em seis países diferentes. Homem íntegro, de caráter profundamente humanitário e benévolo, tinha uma sincera consciência social, arraigada à responsabilidade de gerar mudanças. Visitava empregados que ficavam doentes, era a favor da abolição da escravatura, e afirmava com veemência que todo homem merecia ser livre, bem como receber um salário justo pelo seu trabalho. Não obstante, suas qualidades, pontos de vista e posições políticas fortes frequentemente levaram o Visconde de Mauá a colidir contra os interesses dos poderes políticos de sua época, o que causaria sua inevitável e deprimente derrocada.
Banqueiro, empreendedor, industrialista e político, sua vida foi repleta de dificuldades, até mesmo em face de diversos êxitos. Tendo que enfrentar em diversas ocasiões a resistência de um governo imperial demasiadamente letárgico e conservador, para implementar diversas iniciativas, o Visconde de Mauá teve que demonstrar persistência, flexibilidade e dinamismo em diversos momentos de sua carreira, para que seus empreendimentos fossem levados à sério, e viessem a lograr êxito.
Em virtude de muitos de seus empreendimentos interferirem diretamente na esfera pública, era inevitável que para determinados projetos o Visconde precisasse do apoio, dos contatos e da aprovação do governo. Infelizmente, Irineu Evangelista de Souza aprendeu, à duras penas, que nada de bom poderia esperar do estado. Tendo vivido no período do segundo reinado, governado por Dom Pedro II, o Visconde de Mauá assimilaria, obrigatoriamente, o duro jogo da arte política: conflitos ideológicos, jogos de interesses, benefícios financeiros ilícitos, manipulação do poder e da opinião pública e tráfico de influência, para citar apenas alguns aspectos da política doméstica, tornaram-se obstáculos constantes em sua vida, diante de um poder político que visava ganhos ilícitos com os seus empreendimentos. Homem íntegro, honesto, diligente e intransigente, nunca disposto a ceder quando suas convicções estavam em jogo, sua ética forte e seus princípios inabaláveis o colocariam na posição de inimigo da monarquia. Logo ficou claro para ambos que ele – o Visconde de Mauá – e a monarquia, viam e encaravam todas as iniciativas relacionadas ao progresso em território nacional de formas e maneiras muito diferentes, por ângulos e perspectivas completamente incompatíveis e desproporcionais.
Inadvertidamente, Irineu Evangelista de Souza se viu obrigado a entrar para a vida pública, como a única maneira de defender os seus interesses. E como não possuía nenhuma representação em caráter político, decidiu entrar para a política, e representar a si mesmo, para assim lutar, a ferro e fogo, pelos seus interesses. Que, por extensão, serviam aos interesses de todos os brasileiros e brasileiras das classes inferiores, sobretudo de proletários e de escravos, porque alicerçavam-se no progresso, no bem estar comum, na educação, na igualdade e na cidadania para todos. Interesses, estes, que eram muito mal vistos pelo governo imperial, nem um pouco interessado na autonomia social das classes mais pobres.
Conforme suas empresas cresciam, sócios interessados começaram a aparecer, investimentos de capital estrangeiro tornaram-se corriqueiros, e viagens passaram a ser tão frequentes quanto necessárias. Seu progresso deixava empreendedores europeus impressionados, especialmente quando ficavam sabendo que todo o excepcional e exponencial crescimento do Visconde de Mauá ocorria sem nenhum apoio, estímulo ou ajuda do governo, o que tornava seus êxitos ainda mais surpreendentes. E quão surpresos não ficavam seus pares, ao ficarem sabendo que, para crescer como vinha crescendo, muitas vezes tinha que colocar-se deliberadamente contra o governo, que não via mal nenhum em aplicar-lhe restrições, ou sabotar seus projetos. Não obstante, o seu sucesso estrondoso, sua reputação, e sua capacidade de contornar obstáculos – em especial aqueles arranjados por um governo imperial frívolo e belicoso – granjeavam-lhe ainda mais mérito, o que atraía para suas empresas um enorme número de sócios e investidores cada vez mais interessados em seus negócios, o que, por conseguinte, acabava gerando para suas empresas um capital ainda maior. Dessa maneira, seu sucesso crescia a olhos vistos, e seus êxitos tornavam-se cada vez maiores, o que passou a ser motivo de grande ressentimento e amargura por parte do governo imperial.
O Visconde de Mauá, além de ter sido pioneiro em diversas áreas da economia no Brasil, e um empreendedor sem paralelo na história de nosso país, foi um excelente administrador. Homem com tarimba para os negócios, era, ao mesmo tempo, bastante dinâmico e descentralizado: com plena consciência de que nada se realizava sozinho, gostava de conferir responsabilidades e autonomia aos seus subordinados, incentivando-os a terem às suas próprias ideias, e darem vazão às mesmas. Incentivava-os, igualmente, a abrirem os próprios negócios, pensarem de forma independente e não se preocupava em fiscalizar meticulosamente tudo o que faziam. Fomentando o crescimento de tudo e de todos à sua volta, de forma lícita, transparente e constante, trabalhar para, com, ou associado a Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá, nos anos 1860 tornou-se sinônimo de riqueza, abundância e prosperidade. O Visconde foi também pioneiro na distribuição de lucros entre os seus empregados, além de tornar-se conhecido pela maneira eficaz de gerenciar suas empresas. No entanto, quanto mais ele crescia, mais o governo imperial se ressentia. Seus empreendimentos geravam um notório e ostensivo progresso ao ser redor, tanto direta quanto indiretamente, enquanto o governo imperial, em toda a sua letargia e ignomínia, nada fazia, a não ser invejá-lo, e conspurcar contra ele.
Não obstante, seu envolvimento na política e na vida pública foram, invariavelmente, uma faca de dois gumes: ao passo que lhe permitiram conquistar muitas coisas, causariam sua derrocada. Suas visões políticas progressistas divergiam das políticas conservadoras espúrias e nocivas do governo imperial, interessado apenas em manter o poder, e o status quo, opondo-se a toda e qualquer forma de mudança. Sabotagens frequentes passaram a ocorrer em suas empresas, e, pouco a pouco, o governo foi capaz de levar inúmeros negócios do Visconde de Mauá à falência, deixando-o em uma situação financeira desoladora e difícil, que infelizmente perduraria pelo resto de sua vida. Mesmo vendendo o que restou de suas empresas a estrangeiros, foi incapaz de saldar todas as suas dívidas. O governo imperial brasileiro conseguiu reduzir à miséria um homem que outrora foi mais rico do que o próprio governo. Tendo realizado tudo aquilo que o império – em toda a sua letargia, paralisia e comodidade – foi incapaz de realizar, o maior empreendedor brasileiro morreu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, a 21 de outubro de 1889, aos 75 anos.
A vida do Visconde de Mauá nos ensina muitas coisas. A primeira delas é que o governo brasileiro nunca apoiou o empreendedor, e em não raras ocasiões até mesmo se coloca deliberadamente contra ele. Ao se posicionar contra as iniciativas de progresso e as ideias construtivas de Irineu Evangelista de Souza, o governo imperial estava pensando apenas em si próprio e nos seus próprios interesses belicosos e egoístas, indo contra o progresso da nação. Ao deliberadamente sabotar suas empresas, o governo imperial comprometeu o emprego de centenas de trabalhadores, e, por extensão, o sustento de suas famílias. Assim, as empresas de Irineu Evangelista de Souza começaram a se diluir, e a instabilidade passou a tomar conta dos outrora prósperos negócios do Visconde de Mauá. Isso fazia o governo imperial ser não apenas deplorável, mas desastroso: além não promover nenhuma forma de progresso, fazia o possível para se empenhar pelo retrocesso da nação quando o progresso acontecia.
Muitas vezes, esse é o preço que pagamos, por promover a circulação de riquezas, gerar empregos, fomentar o progresso e agenciar mudanças em um país agrilhoado ao retrocesso, e a uma sórdida política de interesses. O empreendedorismo gera mudanças, promove benefícios, sustenta famílias, gera desenvolvimento. Apenas um país de terceiro mundo vai tratar algo tão positivo de forma tão brutal e estarrecedora. Bom, esse país existe, e se chama Brasil.
É claro que o Brasil Imperial de Irineu Evangelista de Souza foi um país muito diferente da atual República Federativa do Brasil. Não obstante, o Visconde de Mauá se viu obrigado a travar uma luta incessante contra as mentalidades conservadoras do seu tempo, que temiam o progresso, a libertação econômica da classe proletária, e o baixo custo – para não dizer muitas vezes inexistente – do trabalho escravo, que causaria drásticas mudanças nos processos produtivos, caso fosse extinto. Sempre pensando no bem estar comum, Irineu Evangelista de Souza fez tudo o que pôde para promover salutares mudanças tecnológicas e sociais através de seus empreendimentos, sem temer colidir com os beligerantes, tóxicos e egocêntricos interesses governamentais, quando isso acontecia.
Representado diversas vezes em nossa cultura, com certeza a cinebiografia Mauá – O Imperador e o Rei, é o melhor retrato sobre a vida, os empreendimentos e a luta magistral de Irineu Evangelista de Souza. No filme de 1999, o Visconde de Mauá é interpretado pelo ator Paulo Betti, e a atriz Malu Mader interpretou sua esposa, Maria Joaquina de Sousa. Muito mais do que um filme, uma verdadeira aula para qualquer empreendedor, sua vida serve como estímulo e referência para diversos aspectos de nossa vida profissional. Suas inúmeras qualidades, e sua formidável capacidade de enfrentar períodos severos de dificuldades com serenidade, firmeza e resistência, sem se deixar abalar, mas especular todas as soluções possíveis que estivessem ao seu alcance, fazem de sua vida, de sua obra e de seu caráter alicerces fundamentais para a aprendizagem e o sucesso de qualquer empreendedor.
Se vivêssemos em um país de primeiro mundo, era sobre ele que as crianças deveriam estudar na escola, ao invés de Dom Pedro II. Governantes que não mudaram nada, só viveram, não inspiram ninguém. Pessoas que viveram para mudar, como Irineu Evangelista de Sousa, podem servir de estímulo e inspiração, especialmente no período de formação escolar. É uma vergonha que crianças e adolescentes saiam da escola sem ter a menor noção de quem foi o Visconde de Mauá, que, de acordo com alguns – e me coloco entre estes – foi com certeza o maior brasileiro de todos os tempos. Definitivamente, um homem à frente do seu tempo, que fazia de cada obstáculo uma oportunidade, e de cada oportunidade, uma alavanca para o progresso. Tivéssemos tido quinze ou vinte iguais a ele, e teríamos sido o país mais desenvolvido do mundo, sem dúvida nenhuma. Ou não. Infelizmente, somos governados por dirigentes políticos que são contra o progresso, e se empenham de todas as formas e maneiras para que ele nunca aconteça. No que depender deles, progresso continuará sendo apenas uma palavra em nossa bandeira. Não obstante, para qualquer empreendedor, um exemplo formidável como o Visconde de Mauá é tão revigorante quanto fundamental.