E se cada indivíduo deste planeta, independentemente de sua classe social, idioma ou nacionalidade, pudesse abrir uma loja de comércio varejista cujos produtos estejam disponíveis para todos?
Ainda mais importante: e se ele pudesse fazer isso sem ter de pedir permissão para nenhum burocrata? Para completar: e se não houvesse nenhum obstáculo artificialmente criado pelo estado no caminho dessa pessoa? Isso não era possível há 12 meses. Mas hoje já é.
E se esse empreendimento pudesse ofertar bens e serviços em troca de pagamentos oriundos de qualquer parte do mundo, mas sem ter de recorrer a bancos, a qualquer sistema de pagamento convencional, ou a qualquer outro intermediário financeiro? Isso não era possível antes da invenção das criptomoedas, mas hoje já é.
E se esse empreendimento fosse tão descentralizado, que nenhum governo no mundo pudesse fechá-lo? Ninguém poderia imaginar isso há uma década, mas já é a realidade hoje.
A tecnologia que tornou tudo isso possível não é nenhum site de internet, mas sim um aplicativo que qualquer pessoa pode baixar gratuitamente. Foi lançado recentemente e já está sendo utilizado por milhares de pessoas ao redor do mundo. Ele se chama OpenBazaar e seu endereço é OpenBazaar.org.
Seu slogan é “Livre mercado para todos. Sem taxas. Sem restrições.”
OpenBazaar: Livre mercado para todos. Sem taxas. Sem restrições. Share on XLivre mercado para todos. Sem taxas. Sem restrições.
Como dito, qualquer pessoa pode baixar o aplicativo, fazer compras e montar seu próprio empreendimento, sem taxas, sem ter de recorrer a extensões, sem ter de instalar recursos adicionais (os famigerados plugins) e sem ser submetido a nenhuma outra exigência irritante. O sistema de pagamento é a moeda digital internacional, o Bitcoin, que não depende de nenhum sistema financeiro e monetário nacional.
A plataforma do OpenBazaar, assim como a plataforma do Bitcoin, não possui um ponto central de falha, de modo que é impossível ele ser perseguido, fechado e destruído pelos governos.
A plataforma opera sob o sistema peer-to-peer (arquitetura de redes de computadores em que cada um dos pontos ou nós da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor, permitindo compartilhamentos de serviços e dados sem a necessidade de um servidor central), de modo que não é necessário pedir nenhuma permissão para terceiros.
E aí surge a pergunta: se não há uma supervisão central, como é que o comprador e o vendedor poderão se certificar de que a outra parte cumpriu o combinado? Como pode o comprador ter a garantia de que o vendedor não irá simplesmente pegar o dinheiro e sumiu? Como pode o vendedor saber se o comprador realmente pagou pela mercadoria que já foi enviada?
A plataforma utiliza outra inovação, que foi criada há apenas alguns anos: ela se chama multisig ou multi-assinatura.
O OpenBazaar explica:
“Se ambos concordam com um preço, então o cliente cria um contrato entre vocês dois com a sua assinatura digital, e envia esse contrato para um terceiro, que será o moderador. Esses moderadores também são pessoas que utilizam a rede do OpenBazaar — pode ser tanto o seu vizinho quanto uma pessoa do outro lado do planeta —, nas quais o comprador e o vendedor confiam caso algo dê errado. Esse moderador visualiza o contrato e cria uma conta multisig para a qual o Bitcoin deve ser enviado. Essa conta requer que duas de três pessoas dêem o seu ciente para que o Bitcoin possa ser liberado.
O comprador então envia a quantia mutuamente acordada para o endereço multisig. Você recebe uma notificação dizendo que comprador enviou os fundos para o endereço, e então você envia a mercadoria e notifica que ela foi enviada. O comprador a recebe alguns dias depois e notifica que a recebeu. Isso irá liberar os fundos do endereço multisig para você. Você recebeu seus Bitcoins e o comprador recebeu a mercadoria. Nenhuma taxa foi cobrada, ninguém impediu a sua transação comercial. Todos estão satisfeitos.”
Para que tal invenção fosse possível, era necessário antes de tudo existir o Bitcoin, o qual surgiu em 2009 como resposta à urgente necessidade de se ter uma moeda que pudesse ser transacionada pela internet, que operasse fora das fronteiras determinadas pelos governos e que não fosse controlada por nenhum Banco Central. A própria invenção do Bitcoin baseou-se nas inovações ocorridas nos sistemas de processamento distribuído, na criptografia, e em registros contábeis (armazenados nas nuvens) que mantêm um registro histórico de quem é dono de quê. (Veja um resumo aqui).
Com o surgimento agora do OpenBazaar, podemos testemunhar mais um tijolo sendo colocado na construção de uma infraestrutura comercial globalmente aberta, expansível para toda a população humana e que funciona fora das estrutura legais de qualquer país. Trata-se de uma tremenda dádiva criada pela genialidade humana e um inequívoco sinal auspicioso quanto às perspectivas para a nossa liberdade.
Tijolo por tijolo
E, no entanto, cada inovação depende de várias inovações anteriores. E é por isso que ninguém deveria se esquecer do que realmente deu impulso a essa conquista. O Silk Road (fevereiro de 2011 a outubro de 2014) foi o primeiro e mais famoso mercado digital a aceitar o Bitcoin. Ele foi fechado pelo governo americano porque havia se tornado um meio para a distribuição de produtos como a maconha, que hoje já se tornou lícita em vários locais. Por estar à frente do seu tempo, o fundador e criador Ross Ulbricht foi condenado a nada menos que duas sentenças de prisão perpétua.
A inovação varejista de Ross inspirou outros a verem o extraordinário potencial da ideia. O Silk Road errou exatamente em ser muito centralizado. Tão logo o FBI descobriu seu administrador, os burocratas o capturaram com a janela do admin aberta, e com isso conseguiram acesso a todos os dados.
Isso não é possível de acontecer com o OpenBazaar, pois a própria plataforma é literalmente distribuída por todo o mundo; e, assim como o Bitcoin, que se comporta como uma hidra, a plataforma do OpenBazaar se aproveita da ordem espontânea e sem fronteiras do espaço digital de uma maneira que maximiza a liberdade humana.
Sempre que falamos sobre essas inovações, é difícil resistir à tentação de falar em detalhes sobre essa extraordinária tecnologia. Porém, em última instância, não estamos realmente falando de tecnologia; não estamos realmente falando de criptografia, redes distribuídas, sistemas de pagamento multisig e afins; estamos, isso sim, falando da incessante busca de cada ser humano por sua autonomia universal, livre de amarras artificiais criadas por burocratas. É realmente disso que estamos falando.
Tenho em mente uma mulher simples em Moçambique, desesperadoramente pobre, mas com um grande talento para a costura. Talvez ela seja boa em fazer belas gravatas-borboletas artesanais. Ela possui um smartphone com acesso à internet, cujo custo muito provavelmente chega a um quarto da sua renda. Com essa rede, ela pode alcançar todo o planeta com seu produto, e até mesmo construir um grande negócio. Com o desenvolvimento e difusão do Bitcoin, ela pode auferir uma renda que irá se tornar um capital a ser investido na expansão de seu empreendimento, o qual poderá agora se tornar muito próspero, com uma clientela literalmente global.
Não foram as ajudas estrangeiras ou os governos que fizeram isso. Foi o poder do empreendedorismo na era digital. Graças a tecnologias como o OpenBazaar, nosso longo prazo está mais promissor.
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Artigo publicado em: Instituto Ludwig von Mises Brasil
Jeffrey Tucker é o CEO do Liberty.Me. É também autor dos livros It’s a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo